STF é acionado para garantir direito ao silêncio de Pazuello: e se fosse você?

Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde do governo de Jair Bolsonaro, deverá ficar em silêncio durante o depoimento à CPI da Covid, marcado para a próxima quarta-feira. E, para que esse direito seja efetivamente garantido, a Advocacia-Geral da União (AGU), com respaldo do presidente, impetrou um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa de Pazuello para que ele possa ficar calado.

Na noite desta sexta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu o salvo-conduto a Pazuello, que não precisará responder perguntas que possam incriminá-lo. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), já afirmou ao Supremo que o ex-ministro terá o direito ao silêncio respeitado, mas a sua negativa em responder aos questionamentos vai dificultar as investigações da comissão.

E se fosse você, mero cidadão comum? Caso fosse intimado a depor por algum motivo, poderia recorrer a esse direito? O DJ conversou com o advogado Flamínio Barreto Neto, pós-graduado em Direito Penal, Ciências Penais e Processo Penal. Ele também é presidente da comissão de prerrogativas da OAB de Limeira.

DJ – O direito de ficar em silêncio, ou seja, de não produzir prova contra si, é pouco compreendido pela população, em geral, mas ele tem origem em pactos internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica. O que é esse direito, afinal?
Dr. Flamínio
– É fruto de direito já previsto em legislações de outros países e, com muita propriedade e acerto, foi trazido para nosso ordenamento jurídico, em especial pela própria Constituição Federal, nossa lei máxima. Garante o direito de permanecer calado em interrogatórios e o silêncio não pode ser interpretado em desfavor da pessoa que o utiliza por quem a interroga. Há várias razões, entre elas para que a pessoa não seja compelida a produzir prova contra si mesmo no processo.

Outro motivo é para que não haja agravamento da situação. Por exemplo, se você estiver sendo acusado de um crime, sua fala pode agravar aquela conduta. A ideia é essa: garantia máxima ao direito de defesa. Não acredito que seja uma matéria desconhecida da população. Muita gente faz uso dele como estratégia de defesa, sobretudo em situações de flagrantes, para não se autoincriminar e também para não expandir o teor da acusação.

Para exemplificar, numa situação onde uma pessoa foi flagrada vendendo drogas na companhia de outras duas pessoas que conseguiram fugir, se ela não revelar a identidade ou participação das outras duas pessoas, pode garantir que não haja acusação de associação para o tráfico. Não há obrigação de colaborar com autoridade policial, nem ministerial ou judiciária.

Esse direito tem previsão em nossa Constituição? O que diz, em resumo, a jurisprudência dominante nos tribunais sobre esta questão?
O direito está previsto no Artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. Ele garante ao réu o direito de permanecer em silêncio em seu interrogatório e isso não pode ser usado para amparar uma condenação contra a pessoa. O juiz não pode embasar esse silêncio como motivo de condenar o réu. Da mesma forma, esse direito deve ser alertado ao réu logo no começo, antes de se fazer as perguntas sobre o caso.

É bem similar àquilo que a gente vê em filmes norte-americanos. Por aqui, não temos o costume de fazer a leitura no ato da detenção policial, mas ela deve ser alertada pelo tanto pelo delegado quanto pelo juiz antes de começar a interrogatório. A medida também encontra amparo no Código de Processo Penal.

A CPI da Covid no Senado convocou o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na condição de testemunha, mas ele já é investigado em esferas diferentes da parlamentar, por exemplo, pelo Ministério Público Federal (MPF). Nesse caso, a testemunha também tem direito ao silêncio?
É uma situação que encontra entendimento dos dois lados, mas o majoritário é que a testemunha tem direito ao silêncio quando a resposta gerar alguma responsabilidade contra ela. Vamos imaginar que uma pessoa foi comprar entorpecente de outra e, no momento da compra, ela é abordada por policiais, que detêm os dois. Caso esse usuário seja arrolado como testemunha de acusação, ele tem o direito de permanecer em silêncio? Tem.

Se ele depor que estava lá para adquirir droga, ainda que seja na qualidade de testemunha, ele estará confessando uma conduta criminosa dele, que é a posse de entorpecente para consumo próprio. Isso faria, obrigatoriamente, que o juiz encaminhasse cópia do depoimento dele para o Ministério Público para ofertar denúncia contra ele.

A testemunha tem o direito de permanecer em silêncio? Sim, quando a narrativa dela importa em confissão de conduta que pode gerar para ela responsabilidade. A testemunha tem o direito ao silêncio daqueles fatos que ela julgue que irá lhe trazer responsabilidade penal ou administrativa. No caso do Pazuello, a lógica é exatamente essa. Às vezes, a forma como expõe a situação pode gerar, para ele, uma responsabilidade de âmbito penal ou administrativo, com punição.

Ficar em silêncio significa confissão de culpa?
De forma alguma. Muito pelo contrário. É taxativa a disposição legal que o direito ao silêncio jamais pode importar em confissão de culpa. Isso é fora de cogitação. É um direito garantido constitucionalmente.

Importante destacar: o direito ao silêncio que o réu tem, tanto perante o delegado quanto ao juiz, ou ao Ministério Público caso seja inquirido, vale no tocante às perguntas do fato, entretanto, é obrigado a responder as perguntas de identificação dele. Por exemplo: as primeiras perguntas que o delegado, ou juiz, faz são: nome completo, RG, CPF. A qualificação tem que ser respondida.

Em um interrogatório, seja parlamentar ou na esfera policial, o interrogado pode se negar a responder perguntas que solicitem juízos de valor sobre determinado assunto? Quais são os limites das perguntas e também das respostas?
O juízo de valor é o que ele acha ou não sobre algo. A pessoa que está sendo interrogada pode se negar a responder o que quiser; pode responder a pergunta A e não responder a B, fica a critério dele, seja pergunta que importe ou não juízo de valor. Então, sim; pode se negar a responder qualquer pergunta. O interrogado tem sim essa prerrogativa, não apenas sobre as que envolvem juízo de valor, mas qualquer outra que ele não se sinta confortável por qualquer razão.

Seja juiz, promotor ou advogado, quando começam a fazer perguntas que não têm relação com a causa, via de regra também é possível se opor, porque não faz parte do objeto. Já presenciei vários casos assim, mas geralmente nunca por parte do juízo, mas pelo MP ou defesa.

Um outro exemplo foi quando eu acompanhava a vítima. A situação tratava-se de porte ilegal de arma de fogo e ameaça do ex-marido. No julgamento, o advogado do réu começou a indagar sobre o divórcio e o que estava sendo discutido na partilha de bens. A própria vítima virou-se ao advogado e falou que não iria responder porque não era da conta dele. O próprio juiz deu razão à vitima neste caso e repreendeu o advogado. Ele retirou a pergunta e finalizou por aí.

A exposição deste caso concreto é para demonstrar que os limites têm que encontrar consonância com os fatos. No caso do Pazuello, imaginemos, hipoteticamente, que o Renan Calheiros pergunte se o ex-ministro já bateu na esposa. O que tem a ver o que está sendo apurado na CPI da Covid? Não tem razão nenhuma desta pergunta ser respondida neste ambiente.

A partir de sua experiência na advocacia criminal, o desconhecimento desse direito pela população, em geral, traz prejuízos no dia a dia às pessoas?
Entendo que não traz prejuízo porque não vejo desconhecimento das pessoas. Vamos pensar na qualidade de réu agora: quando a pessoa é levada a depor, ela é alertada. Há obrigação da autoridade que vai inquiri-la de alertar sobre o direito constitucional de permanecer em silêncio.

Importante: no que tange à testemunha, é mais delicado porque o juiz ou delegado alerta que ela tem a obrigação de dizer a verdade, sob pena de ser presa por falso testemunho, mas. a partir do momento que a autoridade interpretar que a fala dela pode incriminá-la, eu particularmente entendo, e já fiz isso em alguns casos, que o juiz deveria imediatamente suspender a inquirição e alertar: olha, sobre estes fatos ,eu preciso que o senhor (a) entenda que pode implicar no reconhecimento de culpabilidade neste crime, e tem o direito de não se manifestar. Já fiz esse alerta e juiz remeteu à testemunha.

Então, respondendo diretamente à pergunta: para o réu não, mas para a testemunha sim, mas neste caso entendo que vale o bom senso do inquiridor de alertar quando a situação revela que a fala da testemunha pode implicar em autoincriminação.

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