“Vocês existem e são valorosos para nós”

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

A primeira frase proferida pela ex-ministra de Direitos Humanos bolsonarista foi: “Menino veste azul, menina veste rosa”. A frase repercutiu feito uma bomba sobre a comunidade LGBTQ+ e os defensores de direitos humanos. As palavras mais que divisionistas, heteras, são preconceituosas e de uma violência atroz, que teria consequências graves na administração desta senhora à frente do Ministério.

Damares foi um desastre, não apenas por ser incompetente, mas por seguir à risca o ideário bolsonarista de colocar à margem do Estado os pobres e excluídos. E não bastava apenas tratá-los como invisíveis, era preciso esmagá-los, fazer com que se sentissem servos no pior momento da idade média.

Teve o caso da menina de onze anos, estuprada e que decidiu abortar. Damares Alves e sua tropa de choque, em nome de um “deus” carrasco e punitivo, tentaram convencer a garota a ficar com o fruto daquela violência. O caso mais recente, do assédio e perturbação sexual de Bolsonaro, a garotas venezuelanas de um projeto social em Brasília, dizendo ser elas prostitutas, foi outro escândalo que Damares e a primeira-dama, sorrateiramente, tentaram amenizar e ameaçar as garotas.

A denúncia que vem sendo apurada pela Justiça, de que a ex-ministra tem envolvimento com adoções ilegais, é outro mistério produzido pelo gabinete dela.

Bolsonaro teve em Damares uma fiel escudeira. Fez o que ele queria à frente da pasta. Destruiu conquistas, desmobilizou as redes de apoio, proteção e defesa dos direitos humanos. Tirou recursos, reduzindo, por exemplo, em 70% o dinheiro destinado ao combate à violência doméstica e contra mulher. Desferia, dia sim, dia também, discursos de ódio, contra as populações pobres.

O desmonte dos direitos humanos no Brasil só aumentou as taxas de desrespeito ao básico para um cidadão viver. A fome voltou ao mapa, as populações de rua triplicaram, a violência às mulheres descambou, a morte na comunidade LGBTQ+ rondou o tempo todo.

Os índices de IDH foram os piores dos últimos 30 anos, no mínimo. Nosso sistema presidiário está lotado de negros, pobres, presos por supostos crimes, como o roubo de 20 coxinhas, pois o cidadão passava fome. Aliás, o racismo era ponto central de Damares. O presidente do Instituto Palmares se manifestava como um racista típico, mesmo sendo negro.

O discurso de inverter conceito foi a base da guerra ideológica e do massacre diário às populações pobres. O que se discutiam era os humanos direitos, que era o de ser homofóbico, xenófobo, machista, egoísta e por aí vai. Baseados em uma liberdade de expressão, Bolsonaro, asseclas e seguidores saáam disparando seu direito de agredir, apenas discórdia da política, da cor ou do gênero.

Os humanos direitos trouxeram dor às famílias dos quase 700 mil mortos na pandemia, pois ao ligar a TV, o rádio, as redes sociais, estava estampado o presidente da nação zombando dos que morriam. Seu exemplo levantou das tumbas do obscurantismo e tirou do armário uma legião de pessoas violentas, que decidiam quem merecia apoio do governo, pela conta bancária e a cor da pele.

Saem as trevas e entra a luz, a esperança.

O título deste ensaio foi chupado do discurso de posse do advogado e professor Silvio Almeida. Ao contrário de sua antecessora, Silvio carrega na frase a diversidade, a pluralidade, o respeito e o compromisso de que o Estado não olhará para os pobres, como eles são valorosos, para a vida, valorosos para o País.

O ministro da pasta de Direitos Humanos começa seu discurso falando o óbvio, para muitos, como ele mesmo frisou. Mas em um Brasil onde direitos dos trabalhadores foram vilipendiados e jogados na lata do lixo, o óbvio se transforma em necessário.

Transcrevo abaixo, trecho do discurso maravilhoso do Ministro. A esperança deu as caras. A esperança veio pra ficar:

“Permitam-me, como primeiro ato como ministro, dizer o óbvio, o óbvio que, no entanto, foi negado nos últimos quatro anos: Trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós. Mulheres do Brasil, vocês existem e são valiosas para nós. Homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós. Povos indígenas deste país, vocês existem e são valiosos para nós. Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, travestis, intersexo e não binárias, vocês existem e são valiosas para nós. Pessoas em situação de rua, vocês existem e são valiosas para nós. Pessoas com deficiência, pessoas idosas, anistiados e filhos de anistiados, vítimas da fome e da falta de moradia, pessoas que sofrem com a falta de acesso à saúde, companheiras empregadas domésticas, todos e todas que sofrem com a falta de transporte, todos e todas que têm seus direitos violados, vocês existem e são valiosos para nós”.

A todas e a todos, um belo ano novo.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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