Segundo turno: E agora, José? – II

por João Geraldo Lopes Gonçalves

Utilizamos em um dos textos antes do primeiro turno, publicados no DJ, o título do poema de Carlos Drummond de Andrade para trabalhar as decisões que os brasileiros poderiam tomar nas urnas em 2 de outubro último. Os milhões de votos depositados nas urnas decidiram não decidir. Por isto, teremos segundo turno no próximo dia 30. Assim, o título permanece.

Faltaram menos de 2% para Luiz Inácio Lula da Silva vencer e ir para seu terceiro mandato presidencial a partir de 1º de janeiro de 2023. A diferença para Bolsonaro foi de 6 milhões de votos. Matematicamente, usando a lógica dos números, é mais fácil correr atrás dos 2% restantes que dos mais de 7% que faltaram para o atual presidente pelo menos empatar com Lula.

Mas eleições não são uma ciência exata. Ela se encaixa perfeitamente em humanas, devido o exercício permanente do convencimento, para angariar votos. O contato humano requer, em política, conteúdo capaz de fazer com o eleitor escolha seu candidato convencido do que ele prega é o mais correto para sua vida, mesmo que o voto seja envergonhado ou recheado de medo.

Sim , muitos se perguntam, o que é o voto envergonhado. Digamos que vem a ser aquela decisão que não era sua primeira opção e que jamais votaria no cidadão que, por motivos de fórum íntimo, o eleitor vota, mas faz questão de esconder. Por exemplo, nesta categoria, podemos colocar o voto antipetista ou antibolsonarista. Algumas pessoas escolhem um ou outro para impedir que o desafeto maior vença.

Já escutamos no voto envergonhado afirmações como “prefiro votar no B do que no L”, mesmo que o desejo não era nenhum dos dois. Não confundir o voto envergonhado com voto critico ou útil.

No primeiro, passa a ser aquele voto que tem aversão ao conteúdo de determinado candidato, mas tem noção perfeita de que, no momento, é o que pode garantir prioridades. Exemplo deste voto crítico é o de Simone Tebet, candidata do MDB no primeiro turno. Ela justificou seu apoio a Lula por entender ser ele o que pode defender a Democracia.

Na outra ponta, do voto crítico, o de Rodrigo Garcia, atual governador de São Paulo e candidato derrotado à reeleição. Garcia anunciou apoio a Bolsonaro e os motivos entre eles, mágoa do petismo, também o aproxima de uma visão programática com o bolsonarismo, mesmo contrariando seu partido, o PSDB.

Portanto, o voto crítico, na teoria, não quer dizer adesão a um futuro governo, não impedindo que seja oposição se assim o eleitor e partidos decidirem, embora na cultura política no País as negociações de apoio passam por cargos e outras participações na gestão.

Já o voto útil, geralmente, é aquele decidido de última hora, em especial no candidato que está na dianteira nas pesquisas de opinião. No Brasil, esta cultura se resume a uma afirmação de não querer perder o voto, mostrando que o brasileiro é competitivo e só gosta de ganhar.

E isto não é só na política. No futebol, ser vice-campeão é a mesma coisa de ser o lanterna da competição, revelando uma cultura que reforça a tese da conveniência, muito utilizada na política. Antes de fechar esta reflexão sobre o voto útil, é preciso analisar a aplicação da pratica na atual eleição. Quase todas as pesquisas de opinião colocavam o ex-presidente Lula em primeiro com uma vantagem de 10% dentro da margem de erro. Apontava-se que o percentual poderia crescer considerando o voto útil, vindo das candidaturas de Tebet e de Ciro Gomes, prevendo a desidratação de ambos.

A desidratação ocorreu, mas se o voto útil esteve no jogo não foi para Lula e sim para Bolsonaro. A vantagem de 10% caiu para 5% e a pergunta que não quer calar é que, com um quadro de poucos nulos e brancos, de onde vieram os votos bolsonaristas?

A resposta, a priori, vem dos indecisos e parte de Ciro e Tebet, pois o percentual de Lula não mudou daquele dado pelas pesquisas, dentro da margem de erro. O de Bolsonaro foi 2% acima da margem de erro. Então, para esta eleição, o voto útil não funcionou para o virtual líder das pesquisas? De bate pronto, sim.

Este escrevinhador observou e leu tudo o que saiu sobre o primeiro turno. Uma presença ou melhor um sentimento perverso e perigoso pode ter sido decisivo nestas eleições: o medo.

O medo, a paúra, o temor, já foram responsáveis por verdadeiras tragédias no Planeta Terra. Hitler e Mussolini ascenderam ao poder legitimamente, por eleições, com uma imensa maioria de votos e um discurso de tirar trabalhadores da miséria e uma pauta de costumes, inclusive xenófoba. Collor de Mello, um completo desconhecido, governador biônico de Alagoas, íntimo da Ditadura Militar, venceu as eleições de 1989, com o discurso de caça aos marajás e com uma pauta de costumes e “moralizante”. O que se viu nestes dois casos, foi um desastre total.

Na Alemanha e na Itália, o nazismo e o fascismo se uniram e promoveram a Segunda Guerra e mataram milhões de judeus, negros e outros. No Brasil, Collor confiscou a poupança dos pobres, aumentou a recessão e a inflação foi às alturas.

Bolsonaro, em 2018, pregou combater a corrupção e, como vimos, foi o escândalo das rachadinhas, o orçamento secreto, negligencia no combate ao Covid, dando que se recebe na Educação e outros. Outro discurso é o de melhora na vida dos Trabalhadores. Acompanhamos a volta do Brasil no mapa da fome, com 35 milhões abaixo da linha da pobreza, 15% de desemprego e a precarização dos direitos sociais e trabalhistas.

A pauta do medo no primeiro turno não disfarçou que escondia os medos reais, da miséria e da fome. Como em 2018, o medo pegou pesado em especial no fim de semana do primeiro turno. Além das fake news, a religião, com suas vigílias de oração, foi fundamental para que Lula não vencesse a parada na rodada inicial.

O medo não real do fechamento de Igrejas, do kit gay, do satanismo no petismo e outras bobagens foram amplamente divulgadas. Esperamos que o Tribunal Superior Eleitoral puna, com maior rigor e urgência, a prática de espalhar terror, em especial com inverdades e sem provas.

Por enquanto nossa avaliação é de que pouco deve mudar nas estratégias de campanha. Alguns e este que vos escreve comungam disto, podemos prever uma guerra, da qual torcemos para que seja de ideias e não de fato.

Até a próxima semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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