Por que o modelo de liberdade de expressão dos EUA não cabe no Brasil? Advogado explica limites

A polêmica que envolveu o podcaster Monark, por apologia ao nazismo, ainda rende desdobramentos sobre o limite da liberdade de expressão. Advogado do escritório Greve Pejon Sociedade de Advogados, Otávio Breda concedeu entrevista ao Diário de Justiça e explicou que, no Brasil, a liberdade de expressão não é absoluta como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Por aqui, a manifestação de um pensamento perde sua proteção sempre que o discurso externado constitui ofensa a direito individual ou coletivo legalmente protegido. Confira!

DJ – Elogiar ou defender o nazismo têm respaldo em nosso ordenamento jurídico?
Otávio Breda – O elogio ou defesa do nazismo não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, sendo, inclusive, condutas enquadradas como incitação ou indução ao preconceito, figuras típicas previstas no artigo 20 da Lei Federal nº. 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Muitos defendem a plena liberdade de expressão como ocorre nos EUA com a primeira emenda. É possível defender este modelo em nosso país?
Não, não é possível. Diferentemente do modelo americano, no sistema legalista brasileiro não existem direitos absolutos, sofrendo tais direitos limitações. Nesse sentido, a despeito da Constituição Federal trazer em seu artigo 5º, incisos IV e IX, a garantia à liberdade de expressão (em suas mais amplas vertentes, como, por exemplo, a manifestação do pensamento e crítica, seja ela jornalística ou não), o mesmo dispositivo, em seus incisos XLI e XLII, estabelece que a lei punirá qualquer discriminação atentatório dos direitos e liberdades fundamentais, sendo que o crime de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível.

Tem-se, portanto, que o próprio artigo 5º traz uma limitação à liberdade de expressão. De igual modo, o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, estabelece ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ademais, mesmo no sistema jurídico americano a liberdade de expressão não é absoluta, vez que tal liberdade poderá ser restringida quando a manifestação do pensamento implique em ameaça iminente à sociedade (“incitação à ação iminente”), entendimento este que prevalece desde o julgamento do caso Brandenburg vs. Ohio pela Suprema Corte americana, em 1969.

A partir de qual momento a manifestação de um pensamento deixa de ser protegida pela liberdade de expressão?
A manifestação de um pensamento perde sua proteção sempre que o discurso externado constitui ofensa a direito individual ou coletivo legalmente protegido. Nesse sentido, uma pessoa tem garantido seu direito de manifestação de pensamento crítico em relação a outra, pensando-se em direitos individuais, porém essa manifestação não pode desbordar para o campo da ofensa, sob pena de enquadramento nas figuras típicas da difamação ou injúria. Assim, sempre que a manifestação do pensamento atingir direitos de terceiros ela perderá sua proteção.

Eventual apologia ao nazismo incorre em quais delitos em nossa legislação penal?
A difusão da ideia de criação de um partido que defenda os interesses de nazistas, que por sua vez pregam a discriminação a determinados grupos e segmentos da população por questões raciais, socias, étnicas e religiosas, constitui ilícito previsto no artigo 20 da Lei Federal nº. 7.716/89, que diz que é crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, sendo apenado com reclusão de um a três anos e multa, podendo a pena ser de dois a cinco anos e multa caso o crime tenha sido por intermédio dos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza.

Além do referido tipo penal, e dependendo a forma em que externada a manifestação do pensamento, o autor poderá responder pela prática dos crimes de “incitação ao crime” e/ou “apologia de crime”.

A legislação brasileira tem mecanismo para combater manifestações escritas sobre o manto da liberdade de expressão e que extrapolam os limites legais, em especial na internet? Em qual ponto precisamos avançar no campo legislativo sobre essa proteção?
A legislação brasileira, possui, sim, mecanismos para coibir manifestações de pensamento que desbordem os limites legais, fazendo nascer para o ofendido, seja ele ente individual ou coletivo, o direito subjetivo a permitir a responsabilização penal e civil. A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos V e X, trata da repercussão civil decorrente da extrapolação da liberdade de expressão.

No aspecto penal, a legislação vigente é apta a reprimir ilícitos decorrentes de um abuso no exercício da liberdade de expressão (p.ex., difamação, injúria, apologia, racismo, entre outros) em todos os meios, inclusive no ambiente digital. Além deste aspecto repressivo, que se situa no campo da responsabilização, existem mecanismos de tutela processual que permitem a retirada do conteúdo lesivo das plataformas virtuais. É o caso das tutelas inibitórias, onde o próprio juiz, examinando a desconformidade do discurso veiculado com os padrões do Estado Democrático de Direito ordena a sua retirada imediata do ar, sob pena de multa ou crime de desobediência.

Outro mecanismo excelente (que é tão preventivo quanto repressivo) é a possibilidade de ações de indenização por danos morais coletivos, onde o ofensor será obrigado a pagar uma quantia ao grupo/categoria ofendido. Tais valores são encaminhados para um fundo público específico e, em seguida, direcionados para a formulação de políticas públicas que fortaleçam o respeito a dignidade de tais grupos. Essa dinâmica é uma forma de fugir da banalização do Direito Penal, que, mesmo sendo necessário, não produzirá, com a aplicação da pena, um efeito coletivo útil ao tecido social. Por fim, no tocante a melhorias na legislação, a observação que faço é no sentido de que as leis devem acompanhar a dinâmica da sociedade, com finalidade de tutelar o maior número possível de relações, cíveis e penais, num ambiente de mutação constante.

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