Por Edmar Silva
O projeto de lei nº 155/2020 do município de Limeira, que ficou popularmente conhecido como “Lei dos Rojões”, pretendia proibir ruídos ou sons produzidos por fogos de artifícios e artefatos pirotécnicos no território da referida cidade.
Em regime de urgência especial, o projeto foi levado a votação em sessão bastante conturbada em razão das fortes chuvas que caíram na cidade e prejudicaram o funcionamento da energia elétrica e da Internet em vários bairros, afetando, inclusive, os trabalhos na Câmara Municipal, pois as sessões estão sendo realizadas de forma virtual.
Nesse contexto, uma vereadora que durante a discussão do projeto havia se manifestado favorável à aprovação perdeu sua conexão com a Internet e não pode expressar seu voto em tempo oportuno. Pela ausência desse voto, o projeto de lei foi rejeitado.
Diante de tal problema, o autor do projeto expressou seu desejo de acionar o Poder Judiciário para fazer valer a vontade da vereadora que foi impedida de votar, o que, caso acatado pela justiça, permitiria a aprovação da lei.
Muito embora seja louvável a intenção do vereador em querer buscar seu direito perante o Poder Judiciário e seja respeitável o entendimento que fundamenta tal pretensão, não existe impedimento para apresentação de um novo e idêntico projeto de lei a partir desse ano de 2.021 e essa medida é a que permitirá a edição da lei de forma mais rápida, segura e democrática.
Com efeito, a judicialização da sessão legislativa que resultou na rejeição do projeto de lei tende a ser algo demorado e incerto, na medida em que vários recursos e instrumentos processuais poderão ser interpostos, dificultando o andamento processual, e, além do mais, ao final da demanda, depois de muito tempo, o Poder Judiciário pode entender pela manutenção da votação na Câmara que rejeitou o projeto legislativo.
Por outro lado, nova proposta de lei com o mesmo teor do projeto rejeitado, caso seja apresentada por algum parlamentar, poderá tramitar de forma mais rápida na Câmara Municipal, poderá ser devidamente debatida pela população interessada e discutida de forma exaustiva pelas Comissões e pelo Plenário da Casa, conferindo maior legitimidade ao processo legislativo.
Sobre a possibilidade de o município editar esse tipo de lei, parece não restar dúvida, pois o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo já teve a oportunidade de analisar norma semelhante editada pelo Poder Legislativo de Araraquara-SP e decidiu pela sua constitucionalidade (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2286748-56.2019.8.26.0000. Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial. Relator: Ferraz de Arruda. Julgado em 12 de agosto de 2020).
Sendo assim, percebe-se que há possibilidade de municípios realizarem a normatização específica e mais detalhada do exercício da pirotecnia, inclusive restringindo totalmente essa atividade, haja vista que cada cidade pode conter características próprias que demandem maior censura aos barulhos dos fogos de artifício.
Superada essa questão jurídica, é preciso também mencionar a necessidade social de projeto de lei dessa natureza.
Em que pese a forma como o projeto de lei foi levado a votação na cidade de Limeira, num verdadeiro “a toque de caixa”, já que colocado em regime de urgência especial na última sessão do ano de 2.020, não se pode negar que seus efeitos práticos são benéficos à população.
De fato, a sociedade almeja a efetivação dessa lei para conter os insuportáveis barulhos ocorridos por meio da soltura de rojões e produtos do mesmo gênero, tanto é assim que o projeto de lei rejeitado contou com assinaturas favoráveis de aproximadamente cinco mil pessoas.
E tudo isso se deve ao fato de que ruídos dessa natureza trazem malefícios aos animais, enfermos, idosos, crianças e pessoas com transtornos do espectro autista, dentre outros. Não raras vezes, os veículos de comunicação noticiam acidentes ocorridos com cães, gatos e até cavalos em razão dos barulhos feitos com os fogos de artifícios, que assustam e causam desespero em tais animais. Rápida pesquisa na rede mundial de computadores também permite verificar o quanto os fogos de artifícios aterrorizam portadores do transtorno do espectro autista, principalmente quando são crianças, levando também os genitores ao completo desespero.
E não há que se falar em tradição na soltura de rojões apta a permitir que tal atividade continue sendo efetivada. Assim como em vários outros aspectos, também nesse quesito do barulho provocado por rojões a sociedade evoluiu, não mais admitindo uma prática que antes era considerada aceitável. E o Direito precisa acompanhar essa evolução social.
Tem-se, portanto, como indiscutível a necessidade de uma lei que proíba ruídos de rojões e similares. Por isso, e tendo em vista a possibilidade jurídica de o município legislar nesse sentido, a melhor solução é a apresentação de novo projeto de lei municipal visando proibir ruídos decorrentes dos fogos de artifícios e não a judicialização da questão.
Assim sendo, e considerando que os vereadores de Limeira já foram eleitos e empossados, eis a questão que surge: alguém se habilita?
Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público de São Paulo. Formado em Direito, aprovado no exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.
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