Este é o quinto artigo da série “O Ministério Público e a Liberdade de Expressão”. Clique aqui para ler os demais artigos.
Por Saad Mazloum
Não é incomum a interação entre membros do Ministério Público e jornalistas. Rotineiramente promotores e procuradores são entrevistados em veículos de comunicação social, e os motivos são os mais variados. Buscam os repórteres informações sobre operações policiais de repercussão, opinião a respeito de questões jurídicas em evidência, opinião sobre medidas ou decisões judiciais, dentre muitas outras situações.
E é natural que o jornalista procure operadores do direito especialistas no tema que se pretende cobrir. Assim, se o assunto se relacionar a crime de lavagem de dinheiro, é de se esperar que o especialista a ser ouvido seja alguém que atue ou tenha experiência nessa área. É em tal situação que um membro do Ministério Público poderá ser procurado e entrevistado, manifestando-se a respeito de caso que não está sob seus cuidados, esclarecendo algum detalhe jurídico e mesmo tecendo alguma opinião. E ao assim proceder, estará o membro do Ministério Público simplesmente exercendo seu sagrado direito de expressar livremente seu pensamento.
Como qualquer cidadão, o membro do Ministério Público guarda incólume o direito e a liberdade de expressão. E como qualquer brasileiro ou estrangeiro residente no país, responderá por eventuais manifestações abusivas, que ofendam outros direitos de igual relevância, como a intimidade, o segredo da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, inclusive incitações de ódio e manifestações que expressem homofobia, xenofobia, antissemitismo e racismo, pois como já observado, cuidam-se garantias constitucionais de igual estatura, compreendidos nos direitos à vida e à igualdade, e que também encontram substrato no princípio maior da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III).
Bem assentadas tais premissas, resta claro que o membro do Ministério Público poderá expressar livremente suas ideias, opiniões e críticas em público, através de entrevistas a jornais impressos, em programas ou programações de rádio e televisão, em sua página pessoal ou mediante comentários em rede social na internet (Facebook, Youtube, Twitter, Instagram), em blogues, em seu e-mail ou aplicativos de comunicação instantânea, como o WhatsApp, Telegram, Skype – enfim, por qualquer meio de comunicação.
Preserva o membro do Ministério Público o direito fundamental de expressar críticas desfavoráveis a qualquer pessoa ou instituições, conquanto ásperas e contundentes, ainda quando dirigidas a figuras públicas, administradores, parlamentares, magistrados e quaisquer outros agentes públicos, de qualquer nível ou hierarquia.
O Estado de Direito não alberga agentes ou instituições intocáveis ou imunes a críticas. Pois, nas palavras do ministro Celso de Mello, o direito de criticar encontra “suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apoia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V)” (trecho do voto na ADPF 130 ).
A regra é, sempre, a liberdade de expressão, diante da ampla latitude reservada ao princípio pela Constituição Federal. No caso de excesso de linguagem, ainda que em grupos privados e fechados de redes sociais, ou por correio eletrônico particular ou sistemas de mensagens instantâneas, que resvale “para a zona proibida da calúnia, da difamação, ou da injúria, aí o corretivo se fará pela exigência do direito de resposta por parte do ofendido, assim como pela assunção de responsabilidade civil ou penal do ofensor”, como advertiu o eminente ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, no voto proferido na ADPF n. 130.
Incabível, ademais, como escrevemos anteriormente, a imposição de censura ou definição prévia sobre o que o membro do Ministério Público pode ou não pode dizer em entrevistas, debates ou manifestações públicas, e aqui nos socorrem novamente as palavras do ministro Celso de Mello, em referência feita pelo ministro Carlos Britto no julgamento da ADPF 130: “a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público”.
Chegando ao fim essa série de artigos sobre o Ministério Público e a liberdade de expressão, podemos fazer a seguinte conclusão.
A Constituição Federal erigiu a livre manifestação do pensamento como direito fundamental conferido a brasileiros e estrangeiros residentes no País. Consolida-se como verdadeira essência do Estado Democrático de Direito, encontrando fundamento no princípio vetor da dignidade da pessoa humana. Seu exercício encontra limites em outros direitos de igual relevância, como a intimidade, o segredo da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ou em disposições previstas na própria Constituição Federal.
Dispositivos constitucionais e legais estabelecem aos membros do Ministério Público determinadas limitações, inclusive regras de conduta, que objetivam, em última análise, o fiel exercício de suas funções, com independência, imparcialidade e estrita observância aos princípios constitucionais da administração pública.
Como qualquer cidadão, o membro do Ministério Público guarda incólume o direito à manifestação do pensamento, podendo expressar livremente suas ideias, opiniões e críticas em público, através de entrevistas em jornais, programas ou programações de rádio e televisão, e por qualquer outro meio de comunicação. Todavia, deve responder pelas manifestações e condutas abusivas, que violem deveres ou vedações previstas na lei ou na Constituição Federal, ou que ofendam outros direitos de igual relevância, como a intimidade, o segredo da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, inclusive incitações de ódio e manifestações que expressem homofobia, xenofobia, antissemitismo e racismo.
Qualquer disposição ou enunciado referente ao tema liberdade de expressão demanda reflexão e cautela, pois cuida-se de direito fundamental. A regra é, sempre, a mais ampla liberdade de expressão, revelando-se inconstitucional a imposição de censura ou definição prévia a respeito do tema ou o conteúdo das manifestações públicas dos membros do Ministério Público.
No entanto, são úteis e pertinentes as recomendações emanadas da administração superior do Ministério Público, e bem assim do Conselho Nacional do Ministério Público, que enfatizem a primazia da conduta ética, com vistas a orientar o membro do Ministério Público a exercer suas funções com eficiência, preservando sua reputação, imparcialidade e credibilidade, de modo a evitar danos e prejuízos para o serviço público, para terceiros e para a coletividade.
Saad Mazloum é Procurador de Justiça e membro eleito do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
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