Julgamento de prazo de patentes afetará setores que investem em pesquisa e desenvolvimento

O Supremo Tribunal Federal vai julgar nesta quarta-feira (07/04) se o prazo de patentes no Brasil pode ser prorrogado automaticamente caso o trâmite de aprovação delas demore muito tempo. Sobre este assunto, o DJ conversou com a advogada Mirna Mugnaine Kube, que atua na área consultiva e contenciosa estratégica cível, com destaque para atuação em Propriedade Intelectual.

Para a advogada, há bons argumentos para os dois lados que estão em conflito. O que é certo? Todos os setores que investem em pesquisa, inovação e desenvolvimento serão afetados pela decisão do Supremo Tribunal Federal. “Nesse momento de pandemia, todas as empresas que atuam ligadas à área da saúde (medicamentos, insumos, materiais, devem estar especialmente atentas no julgamento”. Confira a entrevista na íntegra.

Hoje, Supremo Tribunal Federal deve julgar se o prazo de patentes no Brasil pode ser estendido caso o trâmite de aprovação delas demore muito tempo. O que esse julgamento representa?
Em 2016, a Procuradoria-Geral da República distribuiu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.529) para ver declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei º 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial). Esse dispositivo diz, em linhas gerais, que o prazo de vigência de uma patente de invenção não poderá ser inferior a 10 anos (ou a 7 anos para uma patente de modelo de utilidade), contados da data de concessão da respectiva patente.

Como a norma é vaga, isso possibilita, na prática, que uma patente tenha vigência maior que aquela estabelecida na própria Lei de Propriedade Industrial, que é de 20 anos para patentes de invenção e 15 anos para patentes de modelo de utilidade, contados da data do depósito do pedido da respectiva patente.

Os fundamentos utilizados pela Procuradoria-Geral de Justiça são que o dispositivo em discussão afronta preceitos constitucionais como a temporariedade patentária, o princípio da isonomia, a defesa do consumidor, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica, a responsabilidade objetiva do estado e o princípio da eficiência da atuação administrativa.

Na sua opinião, o atual prazo afronta a livre concorrência?
Existem bons argumentos para os dois lados e o Supremo Tribunal Federal deverá decidir quais desses argumentos são mais compatíveis com a Constituição Federal. Para a Procuradoria-Geral da República, a vigência de uma proteção patentária maior que 20 ou 15 anos pode possibilitar ao seu titular o monopólio da exploração da tecnologia em detrimento de toda a sociedade (concorrentes, consumidores, pesquisadores entre outros). Ou seja, não somente a livre concorrência pode ser afetada, quando, por exemplo, um titular de patente impede seu uso por outros, mas também os consumidores podem acabar pagando um preço mais alto por um produto patenteado.

Do outro lado, os argumentos orbitam em torno da necessidade de investimento financeiro, humano e intelectual para desenvolvimento de novos produtos e serviços e a demora do próprio INPI em concluir os pedidos de patentes, que justificaria, em tese, um prazo maior de exploração da patente.

O debate envolve principalmente quais setores da economia?
Todos os setores que investem em pesquisa, inovação e desenvolvimento acabarão sendo afetados pela decisão do Supremo Tribunal Federal. Tradicionalmente, as empresas farmacêuticas sempre foram grandes depositárias de pedidos de patentes e, nesse momento de pandemia, todas as empresas que atuam ligadas à área da saúde (medicamentos, insumos, materiais etc) devem estar especialmente atentas no julgamento.

É possível citar casos concretos de prejuízos com o atual prazo?
Em meados de março de 2021, o relator da ação, Ministro Dias Toffoli, determinou ao INPI que respondesse uma série de 13 perguntas técnicas sobre o assunto, a fim de colaborar com o julgamento pelo Supremo. Dentre essas perguntas, houve uma sobre quantas patentes vigoram atualmente com prazo superior a 20 anos para invenção ou 15 anos para modelos de utilidade; e outra sobre quais dessas patentes contêm indicação de possível uso no enfrentamento à Covid-19.

Segundo o INPI, na resposta enviada ao STF, atualmente, há 22.083 patentes de invenção com prazo de vigência superior a 20 anos e há 10.554 patentes de modelo de utilidade com vigência maior que 15 anos. A média de extensão da vigência de patentes, segundo o INPI, é de 1,9 anos para patente de inovação e 1,7 anos para patente de modelo de utilidade. Em relação às patentes com mais de 20 anos de vigência que contenham indicação de possível uso no enfrentamento da Covid-19, o INPI informou que existem atualmente 09 nessa condição.

Como essa questão funciona fora do Brasil?
Na prática, esse debate sobre a constitucionalidade de um prazo maior de vigência da patente não acontece nos principais países como EUA, Europa, Japão e China porque o prazo de análise e concessão de uma patente é rápido, em média inferior a três anos, o que possibilitaria a seus titulares a exploração por um período de 17 anos, aproximadamente.

No Brasil, segundo o próprio INPI, que é o escritório responsável pela análise e concessão de patentes, o tempo médio sobre a decisão dos pedidos de patente foi de 9,6, em 2011; 10,6 anos, em 2016, e 7,9 anos, em 2020. Essa demora na análise e concessão de patentes, muito acima da média mundial, conhecido como backlog, acaba sendo o grande responsável por toda essa discussão que hoje está no STF. De toda forma, é importante ressaltar que o INPI tem adotado medidas para minimizar o tempo de análise e concessão, como o Plano de Combate ao Backlog, iniciado em 2019.

Se declarado inconstitucional pelo STF, como funcionará a partir deste entendimento?
A decisão do Supremo Tribunal Federal deverá ser observada e cumprida por todos, pois possui efeito erga omnes, isto é, vale para pessoas físicas, empresas, INPI, órgãos públicos, titulares de patentes, todos que de alguma forma se relacionem com o objeto da decisão de inconstitucionalidade.

Considerando os interesses envolvidos e a prática do STF no julgamento de casos de alta complexidade, se for declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único, do artigo 40, da Lei de Propriedade Intelectual, o próprio STF deve modular os efeitos de sua decisão, ou seja, poderá, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, restringir os efeitos da decisão ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de determinado momento, atingindo, por exemplo, somente pedidos futuros ou que não estejam ainda com o prazo de vigência superior a 20 anos para patente de inovação ou 15 anos para modelo de utilidade.

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