Coronavírus, um contra-ataque

Por Ronei Martins

Há uma imagem resultante desta pandemia muito me intriga. E não me refiro às centenas de covas emergenciais abertas nos cemitérios, nem dos caixões amontoados em contêineres refrigerados, muito menos da cena da primeira mulher vacinada no Reino Unido. Apesar de me solidarizar com cada família que sofre a dor da morte e apesar de me entusiasmar com a chegada da vacina, para mim a imagem emblemática desta guerra global e que já deveras esquecida é a dos céus das grandes metrópoles mundiais nos dias que se seguiram após o início das paralizações das atividades humanas não essenciais. Eram céus límpidos, azuis e puros, contrastando com os céus dos cotidianos anteriores, que eram poluídos, tóxicos e mortíferos.

O medo da morte nos compeliu frear nossa ganância até então desenfreada e está nos obrigando a repensar este paradigma contemporâneo que submete a vida ao lucro. O resultado desta momentânea mudança de comportamento pôde ser percebido no céus de brigadeiro espalhados pelo mundo. Mas a despeito de ter sido evento recente esta imagem já fora esquecida pela maioria de nós, que, receio, deseja a volta dos céus tóxicos.

E se este desejo coletivo for de fato uma mola propulsora, a chegada da vacina não me parece assim tão animadora. Explico meu desalento: O coronavírus deve ser considerado não com um acontecimento isolado, mas sim dentro de um amplo contexto que permitiu o seu surgimento. Nossa preocupação não deve se restringir apenas à descoberta da vacina e ao plano de imunização dos países, como se fôssemos todos salvos após vacinados. Muito embora a vacina seja urgente, com ela ainda não estaremos a salvos.

James Lovelock, cientista inglês e Lynn Margulis, cientista americana, falecida em 2011, ex-esposa de Carl Sagan, expuseram, em 2002, num encontro da comunidade científica internacional, o resultado de seus estudos teóricos de décadas. Eles defenderam a tese, hoje amplamente aceita pela comunidade científica, de que o planeta Terra é um super organismo vivo que constantemente modifica suas características orgânicas e inorgânicas, afim de se autorregular e se autopreservar. Segundo os cientistas, o nosso planeta possui complexos mecanismos ecológicos que podem ser acionados para a defesa de agressões que lhes são impostas.
Este conceito, já pacificado entre os estudiosos, foi resgatado recentemente para mostrar que o surgimento do Coronavírus não é um mero acontecimento aleatório e acidental, mas sim um evento inserido numa complexa dinâmica de pulsação vital do planeta, na qual o vírus seria uma resposta às constantes e insuportáveis agressões sofridas pela Terra.

No livro recém publicado “COVID-19: A Mãe Terra contra-ataca a Humanidade”, Leonardo Boff, ecoteólogo e filósofo, defende que a pandemia emergiu de um desequilíbrio ecológico que impomos ao planeta ao longo dos últimos séculos, sendo o Coronavírus, portanto, uma resposta biológica do planeta.
Façamos uma analogia: tal como no corpo humano no qual há os anticorpos que nos defendem contra os antígenos causadores de doenças, o Coronavírus seria, para o planeta, um tipo de anticorpo que combate o antígeno: nós, os humanos.

Somos os antígenos causadores dos males à Terra. Lidamos com o planeta de forma meramente utilitarista, imediatista e inconsequente, sugando todas as suas reservas, sem a mínima preocupação com seu esgotamento irrecuperável. Nosso sistema mundial de produção e consumo ignorou os constantes e claros sinais de exaustão e seguia em sua toada predatória. Tendo sido ignorado todos estes sinais, finalmente veio a resposta em contra ataque, um anticorpo que isenta cães, gatos, aves e peixes, mas ataca especificamente o antígeno que adoeceu o planeta: a humanidade.

Se esta tese plausível for de fato real, e se o super organismo vivo chamado Terra estiver apenas e tão somente se defendendo, a vacina não nos protegerá do que poderá vir, só havendo uma única alternativa caso queiramos perenizar a espécie humana: repactuar nossa relação com o planeta. E isto implica em repensar o modo de produção e consumo com o qual estamos acostumados. Sem isto, é provável que novas e mais agressivas pandemias surjam no horizonte como autêntico mecanismo de defesa da Terra.

Em seu livro, Boff sugere que façamos do período de isolamento social uma espécie de “retiro existencial” para nos indagarmos sobre as nossas prioridades: a vida ou o lucro; céu azul, límpido e respirável ou céu cinza, tóxico e mortífero?

Escolhamos!

Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros dois estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019.
Também é pesquisador da máscara do palhaço há 21 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.

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