Carta para a Senhora Bondade

por João Geraldo Lopes Gonçalves

Bença Mãe!

Aqui na terra estes dias têm alternado chuvas e sol, tipo casamento de viúva, aquele ditado popular. Mas é a transição da estação que a Senhora ama a primavera, para o calor do verão brasileiro, que traz um sol de racha mamona, né?

Bom, mal-educado esqueci de perguntar: Tá tudo bem aí no Paraíso?

A beatlemaníaca mais importante dos Lopes Gonçalves, a Gisele, ela tá bem, né? Diz pra ela que, seus babys, a gente tá ajudando a crescer como seres humanos de bondade, de luta e de solidariedade como ela e a Senhora.

E a Vó Nina, Vô Paulino, Vô Miquelina e o Vô Miro? Diz que a gente vira e mexe fala da vida deles, descendentes de italianos, espanhóis, e que a história deles é um espelho para nós.

Na figura do Tio Vicente e da Tia Cecilia, pergunto de todos os demais parentes e dizer que a saudade às vezes mata a gente, mas nos dá fortaleza para continuar vivendo ao recordá-los.

Mãe, e a Gal e o Erasmo, hein? A gente chorou muito por aqui.

Gal Costa era como uma irmã mais velha, como se referiu a Nadir sobre ela. O Erasmo, aquele irmão mais velho, cheio de ternura, amorosidade e que nunca deixou de cuidar da gente. Às vezes penso na frase do Renato Russo que disse, em uma canção, que os bons morrem cedo. Me revolta às vezes.

A Senhora poderia perguntar pro criador, ou criadores, por que pessoas, que contribuem sempre pro mundo melhor, fazem a passagem na hora inapropriada.

Para nós, eu admito, algumas pessoas não deveriam morrer nunca, como a Senhora Mãe. Sei que é egoísmo, mas deveria ter um mecanismo, tipo gincana em que você, a cada tarefa cumprida, aumentaria sua longevidade na vida terrena.

A Senhora, por exemplo, estaria hoje com uma expectativa de vida de uns 200 anos. Gostou? Ou achou absurdo? Eu sou forte, mãe, eu aguento.

Bom, 2022 foi um ano difícil e de perdas de seres humanos, para doenças, as ridículas balas perdidas, as chacinas nas favelas, assassinatos por desavenças políticas. Mas foi o ano em que um genocida foi derrotado nas urnas.

Lembra, mãe, que no ano da sua partida, tínhamos eleição para presidente. A Senhora não viu um operário nordestino vencer pela primeira vez e repeti-la em 2006. Bem, Lula venceu duas e foi para a terceira vitória. Não foi fácil não, Dona Rita.

Primeiro, duas farsas foram montadas. A primeira, das pedaladas fiscais que tirou covardemente do Poder a primeira mulher eleita para o cargo maior da República. Depois, uma das mentiras mais escabrosas de nossa História: prenderam por um ano e oito meses o operário, em uma das tramas jurídicas mais ilegais da paróquia.

Este conjunto de golpes ocasionou na terceira farsa, um ex-capitão expulso do Exército e defensor de torturadores, ditaduras, misógino, homofóbico, e por aí vai. Este monstro, mãe, ganhou as eleições usando de mentiras, infelizmente repetidas por alguns líderes religiosos que insistiam ser a vontade de Deus.

Este ser realizou as maiores lambanças de nossa História e da democracia. Semeou o ódio o tempo todo. Famílias antes unidas sentiram o peso da discórdia levada a ferro e fogo, onde pai não fala com filho, filho não fala com pai, e chega-se ao absurdo de ir a violência física para discutir política.

Quase 700 mil pessoas morrendo vítimas da Covid-19, onde mais da metade poderia ser evitada se o presidente da República não boicotasse o uso de máscaras e comprasse as vacinas na hora certa.

Pelo contrário. Fazia chacota das vítimas do vírus, imitando uma pessoa sem oxigênio ou repetindo frases irresponsáveis, como “e daí?”. Tentou dar golpe várias vezes para se tornar imperador e ditador do Brasil. Armou a população, liberando as pessoas a atirarem para não serem explorados. Mãe, imagina um idiota de um machista que violenta a mulher com uma arma em casa?

A fome, esta voltou ao mapa. Não convivíamos com ela desde 2003. Ela volta e retorna cruel, colocando na linha da pobreza mais de 35 milhões de pessoas e aumentando a fila do desemprego com mais de 15 milhões fora do chão de fábrica. O genocida enaltece estuprador, condecora miliciano, passa a mão em agressor de crianças e por aí vai.

O Brasil estava igual quando o Chico Buarque escreveu Caros Amigos para o Augusto Boal, lembra mãe? Chico dizia que aqui estava tudo um caos, um horror. O país, de 2019 até agora, estava virando de novo uma república das bananas, com corrupção a todo vapor.

Rachadinhas, dando que se recebe na educação, imóveis comprados com dinheiro vivo e 100 anos de sigilo nas coisas do presidente. Mas o brasileiro não desiste nunca, o exemplo sempre foi a Senhora, nunca desistia de lutar.

A campanha foi marcada por momentos distintos. De um lado, o operário, inocente de crimes forjados, juntava multidões de pobres, nordestinos, negros, mulheres, artistas, comunidade LGBTQ+ em grandes eventos de exaltação ao amor. Do outro o genocida, com seus torturadores, estupradores, corruptos e outros, desafiando a lei, espalhando o ódio.

Mas repetindo o lema: nós não desistimos nunca. O povo pode errar, mas a sua generosidade e esperança é maior que qualquer tentativa de dividi-lo.

O operário venceu, Senhora Bondade. Toma posse neste domingo, 1º de Janeiro.

Festa aqui na terra. O Henfil, que tá aí com a Senhora, criou aquele slogan com a graúna nos anos 80: “Tô vendo uma esperança”. Ela voltou e, com ela, esperamos a paz.

Bom, com isto termino esta carta, Senhora Bondade, com a letra daquela canção de louvor que você gostava tanto de cantar.

Beijos do seu filho Janjão, da sua nora Nadir, da sua neta Ruani e de seu bisneto Pietro.

A Todas e a Todos: Feliz 2023.

Segura na mão de Deus e vai

Segura na mão de Deus e vai
Se as tristezas desta vida quiserem te sufocar
Segura na mão de Deus e vai

Segura na mão de Deus, segura na mão de Deus
Pois ela, ela te sustentará

Não temas segue adiante e não olhes para trás
Segura na mão de Deus e vai

Segura na mão de Deus e vai

Orando, jejuando, confiando e confessando
Segura na mão de Deus e vai
Segura na mão de Deus e vai

Jesus Cristo prometeu que jamais te deixará
Segura na mão de Deus e vai

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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