Um horror que durou 7 anos: padrasto pega 23 anos de cadeia por estupro de enteado em Limeira

O Tribunal de Justiça (TJ) analisou no dia 9 deste mês recursos de um caso de estupro e ameaça que tem como vítimas um adolescente e sua mãe, moradores de Limeira (SP). O autor dos dois crimes é o ex-padrasto da criança, e ex-companheiro da mulher. Os desembargadores aumentaram a pena contra o réu, que foi condenado a 23 anos de reclusão por estupro de vulnerável e um ano pela ameaça. Os abusos constantes contra o enteado ocorreram entre 2005 a 2013.

A vítima tinha cinco anos quando os abusos sexuais começaram. Ela descreveu que, além da violência física, havia ameaças de morte com faca, para que ela não relatasse a ninguém o que ocorria quando a mãe e o irmão não estavam em casa.

A medida em que o garoto crescia, o tamanho das facas usadas para ameaça-lo também aumentavam. Em juízo, o menino descreveu com detalhes como sofria os abusos e da forma violenta como era ameaçado e agredido. Aos seis anos, o menino chegou a denunciar a violência, mas não houve comprovação do crime e os abusos continuaram.

O menor permaneceu em silêncio. A culpa, vergonha e medo o mantiveram calado, por causa do receio de, como da primeira vez, a denúncia não dar em nada. Os abusos ocorriam quase todos os dias e, em algumas ocasiões, até por quatro vezes no mesmo dia.

Inicialmente, conforme a vítima, o padrasto se aproveitava da ausência das pessoas na casa e, às vezes, ele trancava a casa toda para que, se alguém chegasse, desse tempo de abrir tudo. No entanto, com o tempo, essa situação não mais preocupava o réu, que chegou a abusar do menino quando a mãe estava em cômodo diferente, fazendo sabão. Em outro momento, o irmão da vítima chegou a flagrar o garoto debaixo do mesmo cobertor com o réu. A própria tia do menino estranhou quando percebeu que ambos estavam no banheiro, mas o homem alegou que colocava limão nos pés do menino para tirar o mau odor.

SINAIS NÃO PERCEBIDOS

Apesar do silêncio, os sinais dos abusos foram se tornando visíveis, mas não foram percebidos a tempo de evitar consequências. O próprio garoto mencionou que tentou avisar, não por meio de palavras, as pessoas ao seu redor. Ele mudava móveis de lugar na tentativa de alguém perceber quando ele estivesse sendo abusado.

Os sinais foram além. As facas usadas nas ameaças começaram a sumir. O comportamento do garoto mudou, ficou agressivo. Na escola, o menino passou a receber muitas advertências. A mãe perguntou o que ocorria, mas a vítima permaneceu em silêncio.

ABUSOS PARARAM, MAS VIOLÊNCIA CONTINUOU
Os abusos pararam quando o garoto completou 12 anos, ou seja, sete anos após a primeira vez em que foi violado. Ele passou a não permitir mais que o padrasto o tocasse. Os abusos sexuais acabaram, mas as agressões se tornaram frequentes.

Numa das agressões, relatada pela mãe à Justiça, o réu agrediu o enteado no banheiro. Chegou a pisar no pescoço da vítima, que fraturou o cóccix . A mulher descreveu que o autor iria matar seu filho e a violência apenas não continuou porque o outro filho interviu. “Ele é agressivo mesmo. Destruiu a infância de meu filho”, pontuou.

A mudança de rotina para o menor começou com o olhar clínico de sua professora de sociologia, de uma escola pública estadual em Limeira. Ela, e outros amigos do menino, percebeu que ele estava machucado e o chamou para conversar.

Foi para a professora que ele confessou os tipos de violência que sofria desde a infância e ela intermediou uma conversa com a mãe do menino. Foi nessa conversa que todos os fatos que estavam guardados pelo silêncio vieram à tona, por meio do testemunho e de uma carta que ele redigiu.

O caso foi registrado na Polícia Civil em 2016, quando a mãe também conseguiu medida protetiva por conta da violência sexual contra o filho e de ameaças frequentes que recebia do ex-amásio, que inclusive mencionou que iria “até o inferno” atrás do adolescente. Foi uma dessas ameaças de morte contra a mulher que rendeu a acusação contra o réu, que chegou a ser conduzido à delegacia por desrespeitar ordem judicial para se manter afastado das vítimas.

NEGOU OS CRIMES

Em juízo, o padrasto negou os crimes. Disse que nunca fez nada com o garoto e o tem como filho. Afirmou, ainda, que cuidava dele desde quando ele tinha 4 anos de idade. Quanto à primeira acusação de estupro, quando foi inocentado, alegou que quem o acusou foi uma mulher que queria que ele casasse com ela. Diante de sua recusa, ela fez a falsa acusação.

Quanto às ameaças, negou todas. Afirmou que a mãe do garoto insistia em ficar com ele, mesmo ele mandando deixá-lo. Disse ainda que nunca usou arma, não praticou violência contra o enteado e que sempre respeitou os meninos. Relatou, por último, que buscam prejudicá-lo.

O CASO NA JUSTIÇA
Em primeira instância, o Ministério Público (MP) acusou o réu de estupro de vulnerável e também por ameaça. O juiz Rogério Danna Chaib o condenou à pena de 17 anos pelo estupro. Pelo crime de ameaça, a condenação foi à pena de 1 mês de detenção.

A decisão, porém, não agradou ao MP nem a defesa. O recurso ministerial buscou, em relação ao crime de estupro, a majoração da pena-base, diante das circunstâncias e consequências destes, bem como a fixação da causa de aumento de pena relativa à continuidade delitiva em seu patamar máximo, ou seja, requereu pena mais rígida. “Quando os abusos iniciaram, a vítima era apenas uma criança sem qualquer malícia, não tinha consciência sequer do que seria um abuso sexual. Contudo, conforme foi crescendo, teve ciência de que estava sendo vítima de um crime grave e, quando esboçava reações negativas e fazia menção de revelar os fatos a alguém, era agredido por seu algoz, ficando frequentemente lesionada. Consta, ainda, que o menino teria, inclusive, tentado se matar em razão do ocorrido, demonstrando as graves consequências do crime em tela”, pontuou o MP.

Por outro lado, a defesa alegou absolvição dos crimes por insuficiência probatória. Também requereu a desclassificação do estupro para a contravenção de importunação ofensiva ao pudor e a fixação de regime inicial semiaberto.

No TJ, a relatoria do caso ficou para o desembargador Ely Amioka. O colegiado ainda foi composto pelos desembargadores Sérgio Ribas (presidente) e Marco Antônio Cogan.

Em seu voto, Ely descreveu que, em relação aos delitos de estupro de vulnerável, “não resta qualquer dúvida acerca da autoria delitiva, confirmando-se a correta imputação feita ao réu, tendo em vista que a vítima e testemunhas narraram os fatos de forma coerente e harmônica, restando comprovada a prática de atos libidinosos. Ressalta-se que, em se tratando de crime contra os costumes, a fala da vítima, quando coerente, como é o caso dos autos, merece credibilidade”.

O relator mencionou ainda a naturalidade e riqueza de detalhes da vítima. “É o que basta para dar suporte ao decreto condenatório. Assim, outra solução não poderia advir, senão pela condenação do réu pelos crimes a ele imputados na denúncia”, completou.

O desembargador deu provimento ao recurso do MP e redimensionou à pena por estupro de vulnerável para 23 anos de reclusão em regime fechado. A pena pela ameaça ficou mantida em um ano.

Foto: Pixabay

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