Por que quem mata no trânsito geralmente não fica preso?

por José Renato Pierin Vidotti

É comum vermos no noticiário pessoas que cometem crimes em que geram revolta social, mais precisamente no aspecto em que há uma gravidade acentuada, palavra assim entendida pela população e internautas.

Ocorre que, muito embora as pessoas entendam que certos crimes necessitam a decretação da prisão do indivíduo, por exemplo, casos de feminicídio, estupro de vulnerável, e, até mesmo o homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor, se faz necessário compreendermos a legislação em vigor.

No presente caso, o artigo tem a finalidade de melhor compreendermos os motivos do qual os condutores de veículos que causam mortes, ainda que embriagados, acabam por responder o processo em liberdade.

Inicialmente, devemos entender que o cometimento de certos delitos necessita da aferição do elemento chamado “dolo” e “culpa”.

Dolo é a consciência e vontade de cometer a infração penal, ou a sua assunção do risco em produzi-lo.

Por outro lado a “culpa”, é a ausência de vontade do ofensor em cometer, diretamente, um delito, e neste caso, o resultado é gerado pela imprudência, negligência ou imperícia.

No delito de homicídio culposo na condução de veículo automotor na maioria das vezes não é possível atribuir ao condutor do veículo o elemento “dolo”, ainda que na modalidade eventual, pelo agente não possuir a intenção de causar a morte de outro indivíduo. Para ilustrar uma exceção prática, seria quando o condutor tem a finalidade direcionada à utilização do veículo para gerar a morte de outra pessoa, mediante um desentendimento prévio. Neste caso, desemparado pelas modalidades de “culpa”.

Superada a aferição da vontade do agente, a lei processual penal, em seu artigo 312, estabelece que só é possível a prisão preventiva (prisão durante o processo) nos casos para (1) assegurar a ordem pública, (2) conveniência da instrução penal ou (3) aplicar a lei penal.

Cumulativamente ao artigo 312, do CPP, é necessário observar o regramento do artigo 313, do mesmo estatuto, para aferir a possibilidade de prisão, cabendo o cárcere quando o crime (1) for doloso, com pena superior a 4 anos, (2) condenados por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, (3) envolver violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência ou (4) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou esta não fornecer elementos para esclarecê-la.

Nota-se que o crime for praticado na modalidade culposa, não possui previsibilidade para decretação de prisão preventiva, ou seja, devendo o infrator do homicídio culposo na direção de veículo automotor responder o processo em liberdade, uma vez que é vedada a antecipação do cumprimento de pena.

Por fim, importante consignar, muito embora estes delitos trazerem revolta social, este argumento de “resposta a sociedade” não pode ser empregado nas decisões para manter a prisão de um acusado deste crime previsto no Código de Trânsito Brasileiro.

José Renato Pierin Vidotti é advogado criminalista, especialista em Direito Penal e Processo Penal pela PUC/SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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