Política e religião devem se misturar? Parte 2

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Os atos contra os resultados das eleições 2022, que deram legitimamente a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva, com mais de 60 milhões de votos, trazem em seu bojo a ideia de um inconformismo que não se justifica com provas cabais.

Os ditos atos, intitulados antidemocráticos pela maioria da imprensa, dos tribunais superiores de justiça, entre eles o Supremo Tribunal Federal e todas as demais instituições da sociedade civil, levantam como bandeira, meta ou objetivo, anular as eleições e que isto ocorra com a intervenção militar.

Por isto, as manifestações estão sendo feitas de frente aos quartéis das Forças Armadas, ou sede de Tiros de Guerra, como no caso de Limeira. Os manifestantes invadiram as instalações públicas da sede militar.

Um parêntese: por lei, nenhum prédio público pode ser usado para manifestações, principalmente se elas ferem o Estado Democrático de Direito. Este escrevinhador está achando estranho o prefeito limeirense não tomar nenhuma atitude sobre esta invasão. Em outros momentos, como atos dos Sem-Casa, Sem-Terra e outros ações de despejo, já teria sido pedida à Justiça.

Terminado este parêntese, continuemos aqui o ensaio desta semana.

Não há dúvidas de que não há nenhuma ilegalidade no ato de se manifestar, protestar, reivindicar. A Constituição Brasileira reconhece instrumentos de liberdade de expressão como o direito de greve, o de manifestar através de comícios, passeatas e outras formas, desde que sejam pacíficas e de acordo com os preceitos democráticos. Agora, acampar à frente dos quartéis exigindo a volta da Ditadura Militar rasga o texto constitucional e enterra a democracia.

Bem, mas o que nos chamou a atenção é que os tais atos antidemocráticos compreendem alguns ritos, que são realizados diariamente, entre eles rezas e orações. Entre estes ritos religiosos, presididos muitas vezes por pastores ou padres cristãos e bolsonaristas, tem no Pai Nosso a mais fervorosa das orações.

O Pai Nosso, ou Padre Nosso, surge na História Bíblica no Novo Testamento, em especial no de Mateus. Sabe-se que a oração, um poema, foi proferida por Jesus Cristo e sua popularização é tamanha que as interpretações às vezes são distorcidas. O contexto do Pai Nosso é a de um povo sofrido e oprimido, que pede bênçãos e proteção para enfrentar a vida em um cenário de repressão feita pelo Império Romano, bem como a própria História de Israel, repleta de dores, sangue e morte.

Esta oração, que para nós é uma das mais significativas do mundo religioso, nos coloca a frente a frente, não de pedidos e preces para dividir as pessoas ou satisfazer o interesse de uma minoria de privilegiados. O Pai Nosso significa comunhão que nos apresenta a ideia de unidade, fraternidade e amar a todos.

Não faz muito sentido rezar o Padre Nosso para pedir Ditaduras ou regime de exceção, simplesmente porque não concordei com a maioria que votou democraticamente no PT. Nos parece que as crenças religiosas têm sido utilizadas como uma forma de orientação conforme os interesses de uma nata de líderes, que levantam espadas supostamente sagradas para combater o “mal”.

O mal é o que pensa diferente. O pensador Karl Marx é conhecido por elaborar teorias politicas e filosóficas sobre o capitalismo, seu modo de produção e seus mecanismos ideológicos. Escreveu vários textos sobre estes assuntos e deles se cunhou várias frases. Uma delas, considerada uma das mais famosas, é a de que a religião é o ópio do povo.

Sua interpretação tem dado até os dias de hoje pano pra manga, como se dizia antigamente, e muita dor de cabeça para os que não compreenderam a frase. A frase foi escrita entre 1843 e 1844 na Introdução da obra “A Crítica à Filosofia de Hegel” e publicada em 44 em um jornal alemão. Vivia-se na França, onde Marx estava exilado, a segunda Republica.

Foi um momento que Napoleão Bonaparte III assume a República, resgata os princípios da Revolução Francesa, mas vai dar um golpe de estado em 1848, restituindo a monarquia na França. Marx vai escrever sobre a Segunda República em sua obra os Dezoito Brumário, onde em um misto de jornalista e cientista político, narra toda a trama e articulação para o Golpe Napoleônico.

No entanto, retornando à frase sobre a religião, Karl Marx oferece uma reflexão sobre o papel dela e aqui ele fala da instituição e suas doutrinas, na sociedade daquele cenário político. O alemão afirmava que a Igreja de seu tempo amortecia as consciências dos seres humanos, alterava conceitos e indicava como vontade de Deus determinada ações ou decisões.

O ópio, uma das drogas mais utilizadas pelas elites francesas daquele tempo, paralisa as pessoas e as colocava em delírios nada reais. A frase levanta a ideia de que a Igreja fazia, utilizando sua interpretação das escrituras, a defesa do regime e compactuava com a miséria e a fome.

Um artista da Idade Média, desenhou uma imagem em que um pobre carrega nos ombros três pessoas: O patrão, o Padre e o Banqueiro. Ou seja, o que expropriava seu salario (os Bancos), o que explorava o seu trabalho (o Patrão) e o que dizia que tudo isto era vontade de Deus (o Padre).

Marx fez esta leitura de que a Igreja cumpria um papel de quando interessava manter intacta a sociedade. Raramente a instituição ousou mudar o Estado de coisas. Uma delas foi a partir do Vaticano II. Mas este é assunto para a parte três.

Bom, a frase “A Igreja é o Ópio do povo” é utilizada hoje por extremistas de direita para dizer que as esquerdas são ateias e uma vez no poder fecharão Igrejas e proibirão a organização da fé. Durante o pleito deste ano, o bolsonarismo soltou fake news onde afirmava que, Lula eleito, as igrejas seriam fechadas. A mentira foi desmentida várias vezes, mas os insistentes delirantes continuam com este discurso.

Aliás, foi no governo de Lula que se aprovou o texto sobre a liberdade religiosa, sem censura e com liberdade de credo como as pessoas quiserem. No texto passado, colocamos aqui a tríade ou tripé da narrativa bolsonarista: Deus, Pátria e Família. Nos atos antidemocráticos, Deus tem sido proferido o tempo todo.

Resta saber qual a divindade que está sendo rogada pelos manifestantes que clamam por um regime autoritário e de morte.

Na próxima semana, falaremos de outras visões de Deus e da Religião. A todas e a todos, um bom fim de semana.

Em tempo: há uma semana perdemos uma das vozes mais importantes do Brasil. GAL COSTA, você vive para sempre em nossos corações e ouvidos.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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