por Rodrigo Buck Calderari
Na última semana, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) proferiu decisão entendendo que a ostentação do devedor nas redes sociais não é motivo suficiente para que se apreenda seu passaporte.[1]
Para aqueles que ainda não sabem, a apreensão do passaporte é uma forma judicial de constranger o devedor a pagar o que deve.
A medida não está expressa na lei, mas é permitida desde 2015 com base na ampliação dos poderes dos juízes promovida pelo Art. 139, IV do Código de Processo Civil (CPC). Daí o nome: medidas atípicas, já que típico, para o Direito, é apenas aquilo que conta com regulamentação normativa expressa (legal ou não).
A decisão do TST é acertada.
Escrevendo sobre o tema há algum tempo[2], propusemos um itinerário que os advogados devem seguir ao solicitar as medidas atípicas, sendo este caminho válido e indispensável também a uma boa fundamentação das decisões judiciais.
Na oportunidade, dividimos os requisitos em (1) pressupostos e (2) limites de aplicação.
Excluindo os meandros dogmáticos da proposição, a proposta funciona como um check list que vai do plano abstrato ao caso concreto.
No plano abstrato, analisamos os pressupostos, ou seja, quando é cabível solicitar uma medida atípica.
Em nosso check list, que parte de um resumo do que a doutrina jurídica fala, temos o seguinte: (i) legitimidade; (ii) subsidiariedade (esgotamento dos meios típicos, como a penhora); (iii) observância do contraditório; (iv) possibilidade de cumprimento da obrigação e (v) indícios de ocultação patrimonial.
Se os pressupostos estão presentes, podemos dizer: cabe o pedido de medida atípica.
Feito isso, é preciso analisar quais medidas são boas para alcançar o que queremos, isto é, o pagamento.
Aí temos uma nova lista de critérios: (i) excepcionalidade da medida coercitiva; (ii) irreparabilidade do prejuízo causado; (iii) impossibilidade de multa e (iv) proporcionalidade. Esta última jamais como princípio ou retórica, mas como forma de estruturar o raciocínio jurídico (seja de quem pede, seja de quem fundamenta!)[3].
Há, portanto, um juízo de “cabimento” e um de controle que deve ser observado pelo magistrado e, como tal, impossível de ser ignorado pelo advogado que deseja obter êxito no seu pedido.
O caso do assim chamado “devedor ostentação” encontra-se dentro do escopo do primeiro juízo.
A ostentação de viagens e bens de consumo nas redes sociais é uma das maneiras que o credor tem de demonstrar que o devedor pode estar escondendo patrimônio, levando o juiz a crer que os indícios de ocultação patrimonial estão presentes.
A prova da ostentação, contudo, não é suficiente.
É preciso demonstrar que a ostentação alegada implica em padrão de vida incompatível com a existência da dívida e que há, de fato, suspeita de uma ocultação dolosa. Mecanismos como o CCS Bacen e, agora, o Sniper, podem auxiliar nesta tarefa.
No acórdão, o TST decidiu que a apreensão do passaporte não era cabível justamente pela inexistência de evidências que qualificassem a ocultação.
Em nossa opinião, andou bem o Tribunal, já que a ostentação nas redes sociais conta apenas como um dos indícios, os quais, não à toa, sempre são colocados no plural por quem estuda o tema.
Além dos aspectos meritórios, a decisão do TST demonstra a importância e a lógica das condições doutrinárias de aplicação do Art. 139, IV do CPC, eis que o motivo principal da cassação da decisão de 1º grau no que toca a apreensão de passaporte (ratio decidendi) não é a falta de evidências em si, mas o fato do juízo de 1º grau não ter enfrentado a questão, limitando-se a sua análise ao que nós chamamos de pressuposto da subsidiariedade (esgotamento das medidas típicas).
O aumento dos poderes do juiz na execução é essencial para garantir a efetividade. Entretanto, uma efetividade que não respeita limites, principalmente constitucionais, pode ser causa de futuras nulidades, o que acaba por atrasar ainda mais o processo de recebimento do crédito. Para os amantes do processo civil moderno isso implica em uma perda de eficiência sistêmica, indesejada pelo legislador (Art. 8º, CPC).
Bem dizia o Prof. Bedaque que celeridade e segurança são os dois elementos da gangorra da efetividade.[4] Equilibrá-las é tarefa do bom operador do Direito. Dos advogados, para a defesa segura do interesse dos clientes. Dos magistrados, para que prestem contas ao cidadão, já que a fundamentação das decisões judiciais, no plano macro, nada mais é do que forma de accountability.
A decisão do TST reafirma algo que sempre defendemos: ao aumento dos poderes do juiz devem corresponder a observação de critérios de controle intersubjetivo das decisões judiciais. E mais do que isso: critérios que sigam um caminho lógico.
Do contrário, o ganho que cláusulas gerais como a do Art. 139, IV do CPC representam em termos de justiça serão totalmente anulados pela insegurança jurídica gerada pelo seu mau uso.
Rodrigo Buck Calderari (OAB/SP 433.617) é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Especialista em Direito e Negócios Imobiliários pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Membro da Comissão de Marketing Jurídico da OAB Limeira-SP. Pesquisador da área de processo, jurisdição e efetividade da justiça.
[1] ROT-1021-05.2021.5.09.0000, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, Disponível aqui
[2] CALDERARI, Rodrigo Buck; GAJARDONI, Fernando da Fomseca. A (in)efetividade das medidas executivas atípicas no âmbito do TJ-SP. Revista de Processo, v. 299, p. 125-152, 2020; CALDERARI, Rodrigo Buck Calderari. Cláusula geral de efetivação: pressupostos e limites de aplicação. Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP), Ribeirão Preto: 2018.
[3] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição a aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2016, pp. 178-179.
[4] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ªed. São Paulo –SP. Malheiros Editores, 2010.
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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