Os limites constitucionais ao governo em tempos de pandemia

Por Luiz Alberto Segalla Bevilacqua

Infelizmente as contaminações e mortes geradas pela pandemia do Covid-19, que inclusive geraram o colapso do sistema de saúde no que tange à disponibilidade de leitos em unidades de terapia intensiva, vem forçando governos municipais e estaduais, Brasil afora, à tomada de medidas mais restritivas para se tentar conter os deletérios efeitos da doença.

Não se discute aqui se tais medidas são eficazes ou não para reduzir as internações e, sobretudo, os casos mais graves que levam ao óbito, mas sim tentar delinear os limites constitucionais de tais medidas que, não raras vezes, extrapolam a competência dos gestores públicos, invadindo searas de outras esferas de Poder, que o constituinte reservou apenas ao Presidente da República, com a chancela do Congresso Nacional.

Constata-se gritante confusão não só da mídia, mas também da comunidade jurídica, sobre o que poderia ser executado somente com decreto de Estado de Defesa, embasado no artigo 136 da CF, e o que pode ser determinado em Estado de Calamidade e de Emergência, nas quais nos encontramos atualmente.

Segundo a doutrina, no Estado de Defesa as medidas de legalidade extraordinária são menos drásticas do que no Estado de Sítio (decretado inclusive em tempo de guerra), pois o Presidente da República toma providências mais amenas com relação aos direitos fundamentais, direito de ir, vir e permanecer em certos locais e a abrangência circunscreve-se a localidades determinadas e não podem ser decretadas em todo o território nacional.

Registre-se que tais restrições só podem atingir os direitos de reunião, o sigilo de correspondência e da comunicação telegráfica e telefônica e ainda o uso temporário de bens e serviços públicos.

Ocorre que o comportamento de alguns brasileiros vem demonstrando desprezo à gravidade da atual situação da pandemia, com realizações de festas ao ar livre, “pancadões” e, inclusive, com o uso de vias públicas, que são invadidas por centenas de pessoas para bebedeiras e arruaças, sem se importarem com a disseminação do vírus, contribuindo para a saturação ainda maior do sistema de saúde e forçando governadores e prefeitos à tomada de medidas mais drásticas.

No entanto, tais medidas não podem e não devem ingressar na seara reservada apenas ao Estado de Defesa ou de Sítio, que não foram e acredito que não serão decretados pelo Presidente da República e chancelados pelo Congresso Nacional, eis que extremamente graves e excepcionais.

Todavia, cabe aqui um alerta! Observa-se que muitas medidas restritivas do direito de ir e vir, do direito de propriedade e de outras liberdades constitucionais, que somente poderiam ser alcançadas pelo Estado de Defesa, estão agora sendo impostas, a nosso ver, com afronta à Constituição, como toques de recolher e bloqueios até de bairros inteiros. Tanto a emergência quanto a calamidade estão regradas por um decreto de 2010, que define, em seu artigo 2º inciso III, a situação de emergência como aquela “provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem no comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido”.

Já o estado de calamidade é a “situação anormal provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem no comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.

Portanto, enquanto o Poder Público, através do Executivo, pode por mero decreto instituir o Estado de Calamidade ou de Emergência, no Estado de Defesa demandar-se-á chancela do Congresso Nacional, pois a medida é mais grave e com restrições às garantias constitucionais como o direito de reunião, sigilo de comunicações e ocupação de bens e serviços públicos, sendo certo que a medida só pode perdurar por tempo limitado (30 dias), permitindo-se apenas uma prorrogação.

Notamos, todavia, que o Judiciário Brasileiro vem abençoando algumas medidas restritivas de prefeitos e governadores impostas por mero decreto administrativo, quando estas foram relegadas apenas às situações de Estado de Defesa, abrindo perigoso precedente para o regime democrático, pois a suspensão de garantias constitucionais deve ser excepcional e, quando necessária, pela via eleita pela nossa Constituição.

Luiz Alberto Segalla Bevilacqua é promotor de Justiça; professor do curso de Direito do Isca Faculdades; mestre em Direito Constitucional e mestrando em Direito dos Estados Unidos – Florida Coastal School of Law.

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