Esse é o segundo artigo de uma série sobre “O Ministério Público e a liberdade de expressão”. O primeiro artigo pode ser acessado aqui.
Por Saad Mazloum
De modo geral, atuando em Juízo como parte ou fiscal da lei, em processos de caráter penal ou cível, em inquéritos policiais e em procedimentos administrativos perante os quais oficie, deve o membro do Ministério Público manifestar-se nos autos de acordo com os princípios éticos, mantendo conduta compatível com o exercício do cargo e zelando pelo respeito aos demais membros do Ministério Público, aos magistrados, aos advogados e às demais autoridades, devendo tratar com urbanidade também as testemunhas, funcionários e o público em geral. Significa dizer que o membro do Ministério Público, em suas manifestações, deve atuar dentro de padrões legais e éticos, sendo inadmissível que atue de forma abusiva, desrespeitosa ou ofensiva a quaisquer dos intervenientes no processo ou procedimento administrativo.
Inadmissível também que o membro do Ministério Público intencionalmente apresente argumentação, exponha fato ou informação inverídica ou divergente da realidade, atentatórias à probidade processual. O artigo 5º do Código de Processo Civil atribui a todos os participantes do processo o dever de comportar-se de acordo com a boa-fé. Neste mesmo sentido, estabelece o artigo 77 que são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo expor os fatos em juízo conforme a verdade, e não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento.
Manifestações abusivas lançadas em autos com o propósito de ofender, ensejam ao membro do Ministério Público responsabilização administrativa e civil – processo disciplinar, multa, indenização por litigância de má-fé e indenização por danos morais, nos termos dos artigos 79 e seguintes do Código de Processo Civil – e até mesmo penal. Pois tal modo reprovável de atuar obviamente não está ao abrigo do direito constitucional de liberdade de expressão.
Por outro lado, não se pode confundir as manifestações que, conquanto ásperas, enérgicas e veementes, são lançadas sem pretensão de ofender, mas tão somente com intenção de criticar ou narrar.
Merecem abordagem também questões que dizem respeito a manutenção de sigilo, pelo membro do Ministério Público, sobre o conteúdo de documentos e informações. Estabelece o artigo 169, incisos X e XI, da Lei paulista n. 734/1993, que são deveres funcionais dos membros do Ministério Público resguardar o sigilo sobre o conteúdo de documentos ou informações obtidos em razão do cargo ou função e que, por força de lei, tenham caráter sigiloso, e guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função. Normas semelhantes são encontradas no artigo 236, inciso II, do estatuto do Ministério Público da União, e artigo 26, §2º, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
As normas referidas guardam relação com direitos e garantias fundamentais, previstos no artigo 5º e inciso X, da Constituição Federal, que protegem a segurança, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Cuidam-se de garantias individuais, insculpidas no âmbito das cláusulas pétreas, e por isso instituidoras de limitações que se opõem à liberdade de expressão, mostrando-se necessária a interpretação para que tais valores, todos de conteúdo axiológico de igual estatura, convivam de forma harmônica.
Como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, tendo por missão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, exercendo a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, resta claro o comprometimento do Ministério Público de cuidar, quando no exercício de suas atividades funcionais, da tutela de tais garantias – segurança, intimidade, vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Tendo ele, membro do Ministério Público, a incumbência constitucional de defender esses direitos e garantias fundamentais, não lhe é permitido abrir mão dessa grave missão para fazer prevalecer, diante de um caso concreto aos seus cuidados, o seu próprio direito à liberdade de expressão.
Por isso, é vedado ao membro do Ministério Público qualquer atuação tendente a divulgar ou deixar de preservar informações ou documentos sigilosos, sobretudo quando exponham ou coloquem em risco a segurança, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Seria francamente desarrazoada qualquer possibilidade de atuação contrária a esse dever, a pretexto de exercer sua liberdade de expressão, ou por razões de estratégia ou “interesse público”.
No próximo artigo vamos falar sobre liberdade de expressão e o exercício de atividade político-partidária por membro do Ministério Público.
Saad Mazloum é Procurador de Justiça e membro eleito do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
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