Diante da ausência de outros elementos comprobatórios de que o acusado era o autor de roubos e também da contradição de testemunha em reconhecimento do homem, o juiz da 2ª Vara Criminal de Limeira, Guilherme Lopes Alves Lamas, absolveu-o aplicando o in dubio pro reo (expressão latina que significa literalmente na dúvida, a favor do réu), ou presunção de inocência.

“[…] considerando o dever do Poder Judiciário de exercer a jurisdição criminal de maneira eficiente, a fim de impedir a condenação de inocentes e possibilitar a responsabilização dos culpados, a partir da adoção de procedimentos probatórios construídos à luz das evidências científicas e das regras do devido processo legal, que não constituam fator de incremento da seletividade penal e do racismo estrutural, deve ser aplicado, no caso, o in dubio pro reo”, diz a sentença assinada no último dia 17.

Constou da denúncia que, em 2018, no Residencial Village, em Limeira, o homem subtraiu para si, mediante grave ameaça exercida com simulação de porte de arma de fogo, uma bolsa contendo um aparelho celular e outros objetos; uma outra bolsa, de uma segunda vítima, contendo um aparelho celular e demais objetos descritos no boletim de ocorrência e também o celular de um homem.

Durante a instrução, foram ouvidas as vítimas, testemunhas e interrogado o réu.

A materialidade foi comprovada, pois os objetos foram roubados, mas houve dúvidas quanto a autoria, conforme o magistrado, que detalhou na sentença que, das três vítimas, apenas em relação a uma delas foi pedido que fizesse o reconhecimento. A duas delas não foi, o que, para o juiz, enfraquece a tese acusatória.

A que foi pedido o reconhecimento, quando ouvida a primeira vez sobre os fatos, ainda em fase policial, declarou não ter conseguido ver o rosto do indivíduo, pois ele estava com o capacete da moto. Depois, foi chamado a consultar o álbum de fotografias existente na delegacia, onde teria reconhecido o acusado, “o que, de imediato, causa estranheza, pois havia dito, anteriormente, que não conseguira ver o rosto do roubador”.

Em juízo, a vítima afirmou que reconheceu o acusado pela voz, pelos trejeitos e características físicas, principalmente pelo pé, mas o pé e a voz do acusado não foram exibidos durante a audiência.

“Como disposto pela Resolução 484/2022 do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], o reconhecimento de pessoas equivocado é uma das principais causas de erro judiciário, conforme demonstrado por ampla produção científica, nacional e internacional, que indica a existência de diversos fatores sensíveis no procedimento de reconhecimento. Prossegue a referida Resolução mencionando a a vasta literatura científica existente, a qual aponta para as possíveis distorções da memória, bem como os casos de reconhecimentos irregulares realizados por agentes públicos a partir da apresentação informal ou inadequada de fotos ou investigados não vinculados aos fatos, ou ainda mediante sugestões, induções ou reforço às respostas apresentadas pelas vítimas ou testemunhas, sendo emblemáticos casos de erros judiciais decorrentes de reconhecimentos equivocados identificados pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Innocence Project Brasil”, cita a sentença.

A ação penal foi julgada improcedente e o réu absolvido. O Ministério Público (MP) pode recorrer.

Foto: Diário de Justiça

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