por Filipe Denki
Os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais que atuam como pessoas físicas cresceram 535% em 2023 em comparação com o ano anterior, segundo levantamento da Serasa Experian. Foram 127 solicitações em 2023 contra 20 em 2022.
Em razão desses números temos visto muitos representantes de instituições financeiros, tradings, empresas de compras coletivas, entre outros credores, adotar um tom ameaçador de que o aumento de pedidos de recuperação judicial no agro vai provocar aumento do custo do crédito e escassez de crédito, sem falar da atitude de tentar banalizar o instituto da recuperação judicial como se este fosse uma forma de inadimplência, leia-se calote e não uma possível solução para se evitar o inadimplemento.
O que causa estranheza é que no Brasil não temos pesquisas que comprovem tais afirmações, o que demonstra ser irresponsável e leviano a postura de diversos entes da cadeia produtiva do agro, que ao invés de pensar em soluções coletivas para amenizar os impactos da crise para toda a cadeia tentam se valer de informações não comprovadas para proteger seus interesses individuais.
Para desmistificar a afirmação de que aumento de recuperações judiciais de produtores rurais poderá provocar aumento do custo do crédito e escassez de crédito levantei alguns dados que no mínimo demonstram que o aumento de pedidos de RJ’s tem irrelevância e tem pouco impacto nas causas do elevado custo do crédito e spred bancário no Brasil.
Segundo último censo de 2021 no Brasil temos 5 milhões de produtores rurais, se considerarmos os últimos três anos onde ao todo tivemos 160 pedidos de recuperação judicial esses números representam 0,0024% nesse segmento. Já a inadimplência entre produtores rurais chegou a 28% ano passado.
Por sua vez, segundo a Serasa em 2023 tivemos um pico de 6,64 milhões de empresas inadimplentes, temos no Brasil aproximadamente 21,8 milhões de empresas. (33% das empresas) e o Brasil chegou à soma de 3.124 pedidos de recuperação judicial nos últimos três anos (2021, 2022 e 2023) e a marca de 3.873 empresas em recuperação em andamento.
Se tentarmos buscar correlação entre o aumento dos pedidos de recuperação judicial com o aumento de custo do crédito com outros países fica ainda mais claro que essa afirmação é no mínimo incessata.
Na Alemanha o número de pedidos de recuperação judicial em 2023 foi de 15.800, de acordo com a Creditreform, uma empresa alemã de análise de crédito, o número de empresas com dívidas em atraso superior a 90 dias era de 820.000 em dezembro de 2023, esse número representa 3,2% de todas as empresas alemãs.
Em geral, as taxas de juros para empréstimos pessoais na Alemanha estão entre 2% e 10% ao ano. As taxas de juros para empréstimos hipotecários estão entre 1% e 3% ao ano.
De acordo com dados da Chapter 11 Filings, empresa que monitora pedidos de recuperação judicial nos Estados Unidos, o total de pedidos em 2023 foi de 1.284 e segundo o Censo Econômico dos EUA de 2022 lá existem 32,5 milhões de empresas.
Em geral, as taxas de juros média para todos os tipos de crédito em 2023 na Alemanha foi de 6,5% e o Fed, banco central americano, mantém taxa básica de juros entre 5,25% a 5,50%.
Na França de acordo com os dados do banco central local, em 2023, 58.400 empresas francesas entraram em processo de recuperação. Por sua vez a taxa de juros para empréstimos corporativos teve uma média 2,5% a 4% ao ano.
No Brasil atualmente da taxa básica de juros (Selic) é de 10,75% ao ano e o spread geral das taxas de juros foi de 19,7%, ou seja, a maior taxa de juros e consequentemente o crédito mais caro se compararmos com os citados países.
Se compararmos os números de pedidos de recuperação judicial de todos eles, o número é muito superior as do Brasil, então por que o crédito nesses países é mais modesto? A resposta é simples, analisar isoladamente o número de pedidos de recuperação não é suficiente para comprovar que este é causa do custo do crédito.
No caso do Brasil, se fizemos a correlação entre números de pedidos x quantidade de empresas x empresas inadimplentes é quase que irrelevante afirmar que o aumento nos pedidos de recuperação judicial aumentará o custo do crédito que historicamente são altos antes mesmo da entrada em vigor de nossa lei recuperacional em 2005.
O custo elevado do crédito no Brasil segundo o próprio Banco Central[1] é influenciado por diversos fatores complexos, que vão desde questões macroeconômicas até estruturais dentro do sistema financeiro, Entre os principais fatores, podemos destacar:
- Sistema bancário concentrado: O sistema bancário brasileiro é concentrado, com um número pequeno de grandes bancos que dominam o mercado. Isso reduz a concorrência e limita as opções para os tomadores de crédito;
- Custos bancários altos: Que incluem custo de captação, spreads bancários (diferença entre a taxa de juros que os bancos pagam pelos recursos e a taxa que cobram dos tomadores de crédito) e custos operacionais;
- Inadimplência: O Brasil possui um histórico alto de inadimplência, o que significa que muitas pessoas não pagam suas dívidas. Isso aumenta o risco para os bancos e outras instituições financeiras, que precisam cobrar juros mais altos para compensar esse risco.
- Sistema judiciário lento e Insegurança Jurídica: A lentidão do sistema judiciário para resolver disputas contratuais e a insegurança jurídica também são fatores que contribuem para o alto custo do crédito, pois aumentam o risco percebido pelos credores;
- Impostos e regulamentações: A carga tributária e a regulamentação financeira no Brasil são complexas e onerosas, contribuindo para o aumento dos custos operacionais dos bancos, que são, por sua vez, repassados aos consumidores na forma de juros mais altos.
Ou seja, diversos são os fatores para que o custo do crédito no Brasil seja elevado e por tudo que foi exposto é uma falácia afirmar que o aumento dos pedidos de recuperação judicial do produtor rural assim como dos demais empresários é causa.
As instituições financeiras, tradings, empresas de compras coletivas, já citadas se comportam como se inadimplência e recuperação judicial fossem a mesma coisa, a inadimplência é uma das causas de pedidos de recuperação judicial e não o contrário. A recuperação é uma das ferramentas existentes em nosso ordenamento para tentar resolver o problema da inadimplência e não o contrário.
A recuperação judicial não é causa da inadimplência, não na maioria dos casos, que é sim um dos grandes fatores para o elevado custo de crédito no Brasil, a RJ é um instrumento legal que em determinadas situações poderá ser eficaz para o empresário em crise econômico-financeira que ainda sejam viáveis possam se soerguer.
Os números de empresas inadimplentes no Brasil versus o número de pedidos de recuperação judicial demonstram a meu ver duas coisas, primeiro que poucas empresas pedem RJ no Brasil, por diversos motivos, ineficiência, complexidade, onerosidade e segundo que tem pouco influência dentre os fatores causadores do alto custo do crédito no Brasil.
Portanto, por tudo que foi demonstrado é possível ao leitor tirar suas próprias conclusões, eu entendo que o número de pedidos de recuperação judicial ou seu aumento não são causas do alto custo de crédito no Brasil e se tiver alguma influência é muito pequena ao ponto de ser desestimulada como se vilã fosse.
Faço novamente a reflexão já trazida no inicio do artigo, em crises setoriais como esta que o agro está passando não podemos nos preocupar única e exclusivamente com o risco sistêmico que o número de pedidos pode causar a toda cadeia produtiva o que é uma consequência natural, precisamos buscar soluções conjuntas para amenizar o impacto e seus efeitos e não deixar que o produtor rural responda sozinho pela solução da crise, quando está tudo bem todos ganham, portanto, quando as coisas estão bem os prejuízos precisam ser divididos.
Quanto a escassez/oferta de crédito é pouco provável que isso ocorra, a atividade agrícola tem grande relevância para a economia brasileira, tem proteção constitucional e por isso o Governo Federal dará subsídios e força para que isso não ocorra e por outro lado cada vez mais existem fundos de investimentos e outras instituições financeiras não tradicionais no mercado do agro interessados em trabalhar e investir no setor.
Agora um índice que precisamos melhorar é a taxa de recuperação de crédito, que equivale ao valor recuperado pelos credores por meio dos procedimentos de reorganização, liquidação ou execução da dívida (execução da hipoteca ou medidas administrativas), essa taxa de recuperação é registrada em centavos de dólar americano.
A taxa de recuperação era um índice utilizado no projeto do Banco Mundial, Doing Business, encerrado no ano de 2021. O Doing Business era um projeto anual que avaliava o ambiente de negócios em 190 países, projeto analisa as regulamentações que afetam empresas ao longo de seu ciclo de vida, desde abertura até fechamento, ele usava indicadores quantitativos para comparar a burocracia, tempo e custo necessários para cumprir essas regulamentações em cada país.
De acordo com o Doing Businnes (Banco Mundial) a taxa de recuperação de crédito no Brasil era de 18,2 centavos para cada US$ 1 dólar (2020) uma das mais baixas do mundo; já nos Estados Unidos a taxa de recuperação foi estimada em 45 centavos para cada $1; na Alemanha a taxa foi de 55 centavos para cada dólar em atraso e na França para cada 1 dólar é recuperado 85,5 centavos.
Diversas medidas podem ser tomadas para melhorar a taxa de recuperação de crédito no Brasil; fortalecer a cultura de pagamento; educação financeira e planejamento financeiro para a população; melhorar o ambiente jurídico; promover o desenvolvimento econômico; estimular e criar incentivos para reduzir a concentração do mercado de crédito e a criação de novas instituições financeiras, entre outras medidas.
Concluo meu artigo fazendo a seguinte provocação: O alto custo do crédito não seria a causa para o aumento da inadimplência e consequentemente do número de pedidos de recuperação judicial?
Filipe Denki é advogado. Sócio do Lara Martins Advogados. Mestrando em Direito – Núcleo de Direito Comercial na PUC/SP. Formação Executiva em Turnaround Management pela FGV/SP. Especialista em Direito e Reestruturação Empresarial.
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
Deixe uma resposta