História: Economia e a Industrialização – IV

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fábrica?”
(Trecho da canção Fábrica, da Legião Urbana)

Estava este escrevinhador navegando pelas redes virtuais em 2018 quando me deparo com uma pequena notícia nos portais de internet. Morre a Vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada juntamente com seu motorista.

Não me chamou muita a atenção no primeiro momento, admito. Mas depois achei estranhos alguns comentários e “notícias” que ligavam a morte a suposto envolvimento da parlamentar com crime organizado – falavam até de queima de arquivo.

Não conhecia a vereadora negra carioca, busquei ir às fontes seguras e a descoberta começou a desconfiar das versões primeiras da imprensa corporativa. No dia seguinte à tragédia, uma multidão vai as ruas do Rio de Janeiro e em questão de horas o Brasil e o mundo se solidarizavam com a família de Marielle e Anderson e a verdade vem à tona.

Marielle foi morta pelo crime organizado a mando do capital especulativo imobiliário, este fato está hoje nos autos do processo investigativo. Era o mercado rentista, o que nada produz, se aliando com organizações nada republicanas que exploram terras à custa dos pobres e do Estado Brasileiro.

Marielle Franco, do PSOL, defensora dos Direitos Humanos, chegava perto de uma realidade típica das cidades brasileiras. A terra, seu produto de especulação, visando lucros e colocando os pobres na mais completa pobreza. E assim iniciava em 14 de março aquele ano, que prometia ser cruel.

Ano de eleições presidenciais, e Lula surgia como uma das esperanças, já que desde o início do ano liderava com folga todas as pesquisas de opinião. Estávamos no último ano do Governo tampão de Michel Temer, que na economia mostrava-se um desastre, aumentando o desemprego, as taxas de juro, e estagnando o crescimento industrial.

Em outra frente, a Operação Lava Jato, liderada pelo então juiz Sergio Moro, continuava sua cruzada de destroçar a indústria de base e de infraestrutura, privando o Estado de promover o desenvolvimento da produção. O bloco de apoio de Temer, formado pela direita centrista, encontrava-se em uma situação de impasse em relação a uma candidatura viável para vencer o pleito de outubro.

O PSDB, principal partido deste bloco, se derretia desde 2014, emaranhado em denúncias de corrupção, em especial ao seu principal nome, o ex-governador de Minas, Aécio Neves. Com Lula na ponta da preferência popular, as possibilidades das esquerdas retornarem ao palácio do Planalto eram imensas.

O que era apontado por alguns, inclusive este que vos escreve, desde 2016, a direita arquitetava tentar tirar Lula da disputa presidencial. Primeiro buscou inelegibilidades, depois envolvimento em corrupção. Quem diria que um apartamento triplex levaria à cadeia um dos ex-presidentes mais populares da História?

Luis Inácio foi preso no mês de abril pela Lava Jato, em um processo todo torto, sem provas contundentes e materiais que se comprova o delito pelo qual estava sendo acusado, só o Power Point de Dallagnol explanado meses antes com festa por parte da imprensa.

A prisão do petista não resolvia as eleições em si, pois mesmo assim, Lula liderava com folga o processo eleitoral. Era preciso proibi-lo eleitoralmente de concorrer e um candidato viável do campo da direita.

Jair Messias Bolsonaro, deputado federal desde os anos 90 do século passado, era conhecido por ter sido expulso do Exército por atitudes golpistas quando era Capitão e por suas posições de defesa a ditadura militar, torturas e torturadores e pautas de costumes retrógradas e excludentes. Quando seu nome começa a ser ventilado como candidato a presidente, quase todos os segmentos da sociedade viam com desdém, tipo “onde já se viu, é um louco, aventureiro”.

Aos poucos o Jair vai crescendo na preferência das classes médias e também do mercado, com o discurso da liberação de armas, liberdade na economia sem Estado, e pautas contra o aborto, com várias e outras questões.

Lula não disputa as eleições, por estar preso e inelegível. O centro e a direita não apresentam alternativas capazes de vencerem. Um movimento que surge de políticos de extrema direita, passa pelo mercado financista, desembarca nas igrejas Evangélicas e parte da Católica, faz crescer o nome de Bolsonaro.

Uma campanha marcada por uma polarização, onde o ódio ao diferente e as pautas de moral e supostos bons costumes predominaram, deixando em segundo plano uma política econômica e desenvolvimento.

O Jair na campanha e na transição dizia que não falaria nada de economia, por não entender bulhufas. Que este assunto era para o seu Posto Ipiranga, o futuro ministro da Fazenda Paulo Guedes. Mesmo no escuro, o mercado da Faria Lima e as elites apostaram que daria certo. Mas a transição feita por Michel Temer terminava aumentando ainda mais o desespero para os pobres, mesmo ainda sem saberem.

O posto Ipiranga, o golpismo

Paulo Guedes sempre foi referência para o mercado financista e nunca o produtivo. Sua formação vinda dos economistas da escola de Chicago é de um Estado Mínimo, liberando de vez a economia, sem interferência do estado. Enxugar a máquina pública, incentivando teto de gastos e pagamento da divida interna, estimulando taxas de juros enormes, em detrimento de financiamento a produção.

Foi sócio fundador do Banco Pactual e saiu da sociedade, quando um de seus parceiros decidiu transformar a empresa no mercado de varejo, terminando com a fase especulativa. Este ímpeto rentista, enchia os do mercado e Paulo Guedes foi aclamado e referenciado como superministro de Bolsonaro.

O já Ministro da Economia será famoso mais por suas frases quase todas com palavrões e má educadas, do que por ações na pasta. Duas delas vão definir o Governo Bolsonaro economicamente. A primeira é quando o dólar bateu o patamar de quase 5 reais, Guedes disse que, se chegasse a esta cotação, é porque ele fez muita besteira.

Não demorou muito, não só a moeda americana, chegou como ultrapassou os “cincão”, não parando mais de crescer até 31 de dezembro de 2022. A outra frase, sobre domésticas irem para Disney: ele considerou uma farra este quadro, pois acabaria com isto retirando taxas de juros da importação, e uma política de exportar menos, bem menos.

Estas frases mostram as intenções de nosso Posto Ipiranga de beneficiar a não produção e entregar o Brasil ao livre mercado de rendas. A economia do governo de Jair, entregue às mãos do ultraliberal Paulo Guedes, teve dois períodos.

O primeiro de estagnação, não ia e não vinha. Como iniciou ficou a economia, até a Pandemia. Com as políticas negativistas e de boicote a políticas de saúde e o período sem políticas concretas econômicas, a pandemia de Covid-19 só não levou o País à bancarrota total do ponto de vista social, por conta do auxílio emergencial.

De acordo com dados do IBGE, 600 mil empresas fecharam portas ou deixaram o Brasil em quatro anos de bolsonarismo no poder. A linha da pobreza, que mede a fome no Brasil, cresceu de março de 2020 com a pandemia até dezembro de 2022, mais de 33 milhões de pessoas nesta condição.

Com teto de gastos, mais a política de zerar investimentos em produção e combate à Covid, o País despencava para uma de suas maiores crises. Neste meio tempo, o bolsonarismo articula não jogar nas quatro linhas da Constituição, como hipocritamente dizia o Jair.

Em 2021, com a economia indo a frangalhos e 600 mil mortos na Pandemia, um golpe é arquitetado no dia 7 de Setembro, brecado por instituições democráticas. O Golpismo vai, a partir daí, surgir como alternativa às falácias do Posto Ipiranga. O ano de 2022 será decisivo para a democracia e para o futuro da economia.

Mas este tema do próximo capítulo desta série.

Dica cultural

A dica de hoje não podia ser diferente. Na semana que tivemos carnaval, nada melhor que ilustrar algo desta festa popular.

Destaco dois desfiles de escolas de samba, uma de São Paulo, outra do Rio de Janeiro. Em Sampa, o enredo da Vai-Vai “Da rua e do Povo – O Hip Hop um Manifesto Paulistano”, mostra a força deste movimento de combate às injustiças sociais e ao racismo. É a arte fazendo revolução, vinda das ruas com os pobres.

No Rio, na Marques de Sapucaí, a Portela levou à avenida um enredo que fala das mulheres negras que fizeram história neste País, de rainhas e princesas na África, para escravas e libertárias no Brasil. O enredo “Um Defeito de Cor”, baseado no romance de Ana Maria Magalhães, está maravilhoso.

As duas apresentações estão disponíveis na plataforma do GloboPlay.

A todas e a todos, um bom final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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