Folha de antecedentes da vítima pode ser levada a júri; MP pede respeito à Lei Mariana Ferrer

É possível a juntada da folha de antecedentes criminais da vítima de homicídio nos autos e sua utilização nos debates do júri popular? A Justiça de Limeira (SP) autorizou, na última semana, o procedimento, em atendimento à defesa. O Ministério Público (MP) se opôs e fez alerta: todas as partes devem respeitar a dignidade da vítima, que não estará sob julgamento. E cobrou o respeito à Lei Mariana Ferrer, que protege vítimas em julgamentos.

O caso envolve a morte de Noélia Carlos de São José, de 45 anos. Ela foi encontrada falecida pelo próprio marido na manhã de 11 de janeiro de 2021, após ter sido agredida ao se queixar do barulho provocado por vizinhos. Três pessoas foram pronunciadas – um homem e duas mulheres. Eles vão a júri por homicídio duplamente qualificado: motivo fútil e sem chance de defesa à vítima.

A data do júri ainda não foi definida. Em petição protocolada no início deste mês, a defesa de um dos réus – J.F.P.F. – solicitou a juntada da folha de antecedentes criminais da vítima. A promotora substituta Daniela Naomi Ramos Hirata discordou e destacou que não é a vítima que está sob julgamento.

Respeito à dignidade da vítima

Na manifestação, a promotora lembrou que, pela lei, todos os sujeitos processuais devem respeitar a dignidade da vítima, sendo proibidas manifestações sobre elementos alheios aos fatos e a utilização de linguagem de informações ou materiais que ofendam a dignidade da vítima e das testemunhas.

Além de opinar pelo indeferimento, Hirata pediu à Justiça que seja determinada a expressa proibição para que esses elementos não sejam utilizados durante o júri.

Atualmente é muito comum, infelizmente, ataques gratuitos à honradas vítimas. Justamente por isso, neste processo, já aviso que o Ministério Público zelará pela correta responsabilização daquele que abusa do seu direito de exercer a profissão para atacar a honra e a dignidade alheia. Nota-se, inclusive, que já houve caso nesta Comarca em que a causídica foi orientada pelo Juiz Presidente a observar as diretrizes que determinam a Lei Mariana Ferrer, orientação esta que se repete nesta oportunidade”, finalizou a promotora.

A Lei 14.245/2021 prevê punição para atos contra a dignidade das vítimas e das testemunhas do processo durante julgamentos, em especial nos casos que envolvem crimes sexuais. A matéria foi inspirada no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa em Santa Catarina, em 2018.

Durante o julgamento, a defesa do acusado fez menções à vida pessoal de Mariana, inclusive se valendo de fotografias íntimas. Segundo a depoente, as fotos foram forjadas. O réu foi inocentado por falta de provas.

Em despacho assinado no último dia 9, o juiz Rogério Danna Chaib, que deve presidir o júri popular, acolheu o pedido da defesa para juntar a folha de antecedentes.

“Isto atende ao princípio da ampla defesa e tem o Conselho de Sentença o direito a esta informação, sem que isto signifique ofensa ao disposto no art. 474-A, I e II, do CPP, pois a juntada do documento é cabível e a lei determina apenas a vedação quanto à utilização de tal documento para ofender a dignidade da ofendida”, fundamentou.

Fatos em julgamento

A polícia apurou que, no dia anterior à sua morte, Noélia, que morava no Parque Nossa Senhora das Dores, foi à casa da vizinha que recentemente tinha se mudado para o endereço. Ela foi ao local para reclamar do som alto de uma festa. A conversa evoluiu para uma discussão e terminou em agressão. A moradora da outra casa, de acordo com a Polícia Civil, deu socos e pontapés na vítima. Ela estava acompanhada do irmão e de uma amiga. Durante o embate, Noélia caiu no chão e bateu a cabeça.

Após a confusão, já em sua casa, a vítima disse ao marido que estava com dor de cabeça e fez uso de analgésico. Porém, no dia seguinte, o homem, quando foi acordá-la, encontrou-a morta. Exame necroscópico feito pelo Instituto Médico Legal (IML) apontou que a morte se deu em decorrência de trauma cranioencefálico.

Na instrução do processo, uma testemunha confirmou ter visto o início da discussão, quando Noélia pediu para a vizinha M.F.F. abaixar o som. Em um momento posterior, ela também viu quando a amiga da vizinha – V.F.O.S. batia a cabeça da vítima contra a calçada, enquanto a outra desferia tapas no rosto da mulher. O irmão da vizinha – J.F.P.F. – foi visto jogando a vítima no chão. Todos respondem ao processo em liberdade.

Foto: Divulgação/Senado

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