Direito ao esquecimento

Por Vinícius de Sordi Vilela

O direito ao esquecimento consiste na possibilidade do “apagamento” de um fato verídico ocorrido no passado, uma vez que a publicidade de tal fato, atualmente, está sendo capaz de gerar transtornos ou mesmo sofrimento à vítima ou a seus familiares. Por exemplo, uma pessoa que tenha sido condenada pela prática de um ilícito criminal, e, após cumprida a sua pena, muito provavelmente não tenha o desejo que tal informação continue sendo veiculada nos meios de comunicação.

Assim, é possível que referida pessoa pretenda que a veiculação dos fatos acerca de sua condenação seja excluída dos meios de comunicação, tais como sites jornalísticos, ingressando, assim, com ação judicial para obter o reconhecimento do direito ao esquecimento, sob o argumento de que o tempo transcorrido não justificaria a manutenção do alcance desta informação ao público em geral, reforçando a sua pretensão com o argumento de que a manutenção do acesso público de tal informação ofende o seu direito à honra e imagem.

Nota-se que o direito à honra e à imagem, inerentes à personalidade jurídica das pessoas e consagrados como direitos fundamentais previstos na Constituição, neste ponto, colidem, frontalmente, com outro direito assegurado na Constituição Federal brasileira – o direito à liberdade de expressão.

Ou seja, a liberdade de informação e expressão está em aparente conflito com os direitos da personalidade da pessoa (vítima e familiares), tais como a honra, imagem, privacidade e intimidade, fazendo com que muitos juristas se debrucem nos estudos, assim como os julgadores intensifiquem os debates nas Cortes pátrias.

Necessário destacar que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, assim como os demais direitos fundamentais fixados na Constituição Federal, devendo, especificamente, tal direito, observar a ética e a boa-fé quando do seu exercício, a fim de não o caracterizar como abusivo, competindo ao julgador, por conseguinte, a harmonização de tais direitos fundamentais quando da análise caso a caso.

Em tese, o exercício do direito à liberdade de expressão será legítimo caso o conteúdo transmitido seja verdadeiro, esteja presente o interesse público, e não ofenda os direitos da personalidade da pessoa objeto da notícia, em especial, por meio de uma valoração fática pessoal de quem transmite a notícia.

Assim, mesmo sendo lícita e legítima a veiculação da informação, acabou-se por gerar a discussão jurídica quanto a legitimidade da manutenção de tal informação ao público em geral, notadamente, por meio das mídias eletrônicas, sob o argumento de que caracterizado estaria o fato gerador de transtornos ou mesmo sofrimento à vítima ou a seus familiares.

Diante de tal, as vítimas ou seus familiares ingressavam com ações judiciais, pretendendo o direito ao esquecimento, isto é, ao “apagamento” de tais notícias, ainda que verídicas, sob o argumento de lhes ocasionar transtornos ou sofrimento.

Por não haver regulamentação explícita por meio de lei, a jurisprudência e a doutrina entraram em cena e passaram a se debruçar sobre a possibilidade (ou não) da retirada do acesso de um fato (verídico) veiculado de modo legítimo.

Objetivando pacificar a discussão, em 2013 foi redigido e aprovado no Conselho da Justiça Federal (CSJ) o enunciado 531, o qual fixava: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.”

Assim, por meio de tal orientação, o direito ao esquecimento estaria contemplado no ordenamento jurídico brasileiro como meio de proteção à dignidade da pessoa humana inserida numa sociedade da informação.

Como tal entendimento não possui força de lei, vinculante, as discussões jurídicas prosseguiram nas Cortes brasileiras, até que, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Tema 786, fixou a tese de que:

“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

Em que pese seja uma decisão proferida pela mais alta Corte brasileira – o Supremo Tribunal Federal, com uma extensa e profunda fundamentação técnico-jurídica pelos ministros, é possível constatar que restou facultado a cada julgador a análise individual das circunstâncias específicas dos casos que lhes forem submetidos à apreciação, devendo prevalecer, no entanto, o direito à informação da sociedade, a liberdade de expressão e o direito à memória coletiva acerca de fatos históricos com o clamor público, sendo certo que, acaso exercido de forma abusiva tais direitos, facultado estará à vítima e a seus familiares a reparação dos danos material e/ou moral no âmbito civil.

Vinícius de Sordi Vilela é advogado, mestre em Direito e professor universitário.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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