As consequências da janela partidária para as eleições de 2022

por Leandro Consentino

Como a legislação brasileira, desde 2015, dá aos partidos a posse dos mandatos eleitos nos pleitos proporcionais – deputados federais e estaduais, além de vereadores – os parlamentares eleitos acabam impedidos de trocarem de partidos políticos durante o exercício desses mandatos, sob pena de os perderem ante uma decisão da Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, a fim de evitar que esses parlamentares sejam impedidos de mudarem de legenda para a disputa eleitoral seguinte, sem o constrangimento da perda do mandato, a própria legislação também prevê um período em que essas trocas não acarretem sanções, que se convencionou chamar de janela partidária, com duração de aproximadamente um mês, anterior à data limite de filiação aos partidos pelos quais deverão homologar suas candidaturas no segundo semestre.

Nestas eleições, a janela partidária ficou aberta a partir do dia 3 de março e foi encerrada em 1º de abril, gerando consequências importantes para as disputas eleitorais, inclusive para os pleitos majoritários, as quais examinaremos a seguir, tendo presente a repercussão de cada movimento.

Nesse sentido, é possível registrar o balanço final das principais bancadas, após o encerramento da “janela partidária” na seguinte ordem: PL com 75 deputados (+32 na janela), PP com 59 deputados (+17 na janela), PT com 55 deputados (+2 na janela), União Brasil com 45 deputados (-36 na janela), PSD com 44 deputados (+9 na janela), Republicanos com 42 deputados (+15 na janela), MDB com 33 deputados (-1 na janela), PSDB com 25 deputados (-6 na janela), PSB com 21 deputados (-9 na janela) e PDT com 19 deputados (-6 na janela).

O primeiro movimento relevante a ser observado foi o encolhimento da bancada do União Brasil, uma vez que o partido, formado a partir da fusão do PSL e do DEM, registrava um grande número de parlamentares bolsonaristas eleitos pelo antigo partido do presidente em suas fileiras. Com a saída de Bolsonaro do PSL no primeiro ano de governo, muitos deputados ficaram “amarrados” ao partido e só agora puderam se desfiliar sem qualquer tipo de sanção.

Da mesma forma, em sentido inverso, o PL e o Republicanos (e, em menor medida, o PP) são os principais destinos desses parlamentares, perfilados ao lado do presidente da República em sua busca pela reeleição nesse ano. Assim, o PL, como partido do presidente, converteu-se no destino preferencial de seus aliados; o Republicanos, alinhado à base evangélica, o segundo maior e o PP, partido do presidente da Câmara Arthur Lira, o terceiro beneficiário nesse campo.

Se a base bolsonarista tem sido a principal raiz destas movimentações partidárias, não observamos o mesmo movimento no centro e na esquerda. No caso do centro, autointitulado de “terceira via”, observamos que a maioria dos partidos, inclusive aqueles com candidatos à Presidência da República como o PSDB e o MDB, não foi capaz de atrair novos parlamentares neste momento e até perdeu alguns deles. A exceção foi o PSD que registrou um aumento de nove deputados, mas ainda muito aquém das expectativas anteriores.

Já a esquerda, cada vez mais unificada em torno da expectativa de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tampouco foi capaz de trazer muitos novos parlamentares para suas fileiras. Com um acordo de federação que pretende unir PT, PC do B e PV, este último sofreu uma baixa de dois parlamentares, justamente aqueles que migraram para o PSD.

Apesar dessa baixa, o PV acabou por somar a sua bancada alguns egressos do PSB, em um claro esforço de sobrevivência dos parlamentares, uma vez que os socialistas não aderiram ao acordo de federação. A opção pelo Partido Verde parece ter se dado por assumir o elo menos “vermelho” da federação, auferindo o bônus do arranjo sem o ônus de uma excessiva ideologização em um momento em que o PSB caminha para o centro, sobretudo após o ingresso do ex-governador paulista Geraldo Alckmin.

É importante ter presente que essas movimentações captam apenas as mudanças de deputados federais que já ocupam seus respectivos mandatos. Nesse sentido, três movimentos podem não estar sendo devidamente captados: i) lideranças políticas que estão sem mandato e pretendem disputar as eleições de 2022, ii) senadores e detentores de cargos do Poder Executivo que, por não estarem submetidos a essas regras, podem engrossar as fileiras de alguns partidos e iii) movimentações subnacionais, sobretudo de deputados estaduais, cuja observação demandaria um estudo mais amplo e pormenorizado.

Apesar dessas ressalvas, trata-se de um importante indicativo para as eleições de 2022. Em primeiro lugar, podemos apontar o fortalecimento da candidatura do presidente Jair Bolsonaro que, claramente, foi o candidato mais beneficiado após o encerramento da janela partidária, uma vez que o crescimento dos partidos alinhados a ele pode aumentar expressivamente os recursos para auxiliar a reeleição. Tal benefício, contudo, deverá se refletir no pleito desses partidos por um maior espaço neste mandato e, em caso de reeleição, no próximo.

Outro ponto digno de nota é que, conforme já pontuamos, a expectativa de vitória do ex-presidente Lula nas pesquisas não foi capaz de se traduzir em ampliação expressiva das bancadas de esquerda, demonstrando que, mesmo em caso de uma eleição, o diálogo com o Congresso Nacional pode ser mostrar complicado e a esquerda terá de ceder espaço aos partidos mais conservadores e/ou fisiológicos.

Por fim, é possível perceber que os desencontros da terceira via – acentuadas na semana passada com as desistências e hesitações de seus principais nomes – traduziu-se na fragilidade de suas bancadas e na incapacidade de oferecer um polo de atração para os deputados já detentores de mandatos em suas fileiras. Dessa forma, o imperativo de um acordo é ainda maior, caso desejem superar a polarização atual que o pleito de 2022 sinaliza entre a esquerda lulista e a direita bolsonarista.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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