Acusação monta quebra-cabeças para “colocar” réu na cena do crime em Limeira

F.S.S.S. foi julgado nesta semana em Limeira por diferentes crimes ligados ao tráfico de entorpecentes. Antes do julgamento, que resultou em sua condenação, houve um embate jurídico entre defesa e acusação sobre o envolvimento de F. com o delito, pois ele não foi surpreendido na cena do crime, onde foram presas cinco pessoas e apreendidos 16 quilos de cocaína. Para o juiz, o caso envolveu uma trama complexa e a acusação utilizou somatória de “peças” para a união de um quebra-cabeças.


O flagrante foi feito pela Polícia Militar num imóvel no Jardim São Lourenço, em 10 de dezembro de 2020. Na ocasião, os agentes de segurança receberam informações de populares sobre o preparo e armazenamento de entorpecentes no endereço.

Assim que chegaram na casa, houve tentativa de fuga e três homens foram detidos nas imediações. Dentro da casa, foram presas duas mulheres – a sogra e a esposa do réu. No depoimento, os policiais afirmaram que uma sexta pessoa tinha conseguido deixar o local e ela seria F.. Os agentes de segurança chegaram à conclusão porque o telefone dele estava no imóvel, bem como o documento de identidade.

A casa, conforme consta nos autos, era um laboratório de droga, onde havia preparo, embalo e distribuição dos entorpecentes. Pelo menos 16 quilos de cocaína e vasto material para ‘batizar’ e embalar droga foram apreendidos. Também porções de maconha.

Na fase investigatória, a Polícia Civil pediu a quebra do sigilo telefônico do réu e descobriu o envolvimento dele com a facção Primeiro Comando da Capital (PCC) e essa informação pesou na decisão do juiz Rafael da Cruz Gouveia Linardi.

O Ministério Público (MP) pediu a condenação do réu, associando ele aos produtos apreendidos e ao laboratório. Já a defesa sustentou a ilegalidade da ação policial, ante o ingresso em domicílio sem mandado judicial, a nulidade da prova emprestada por violação ao princípio do contraditório, a quebra da cadeia de custódia pela análise dos aparelhos de telefonia celular e requereu a absolvição pela insuficiência probatória.

O magistrado descartou a ilegalidade do ingresso policial no imóvel. “Consideradas circunstâncias concretas peculiares, vigentes estavam as fundadas razões justificadoras do ingresso no domicílio, ante a patente situação de flagrância, uma das exceções à inviolabilidade constitucionalmente prevista”, considerou.

RÉU ERA OU NÃO A SEXTA PESSOA?
O juiz, então, passou a analisar se F. era ou não a sexta pessoa que os policiais viram deixando o local. O magistrado considerou complexa a tese da acusação para provar que o réu era a pessoa que fugiu e ele a descreveu como um verdadeiro ‘quebra-cabeça’. “Amealhados todos os documentos, depoimentos, laudos, e sendo inequívoca a materialidade dos crimes indicados na denúncia, cumpre apreciar o conjunto probatório de forma racional e ponderada, observando-se que o fato envolve trama complexa e a tese formulada pela acusação não decorre de sequência de eventos apurados de forma linear e retilínea, exigindo dos investigadores o alinhamento de diversos elementos de prova colhidos em situações diversas e aparentemente desvinculadas, utilizando-se da somatória de ‘peças’ para a união do ‘quebra-cabeças’”, mencionou o magistrado.

Durante o inquérito, a Polícia Civil estava com um documento de reservista do réu, apreendido no local do crime, e seu celular. Com autorização judicial, vasculhou as informações do telefone e identificou o aparelho efetivamente pertencia ao réu, inclusive estava registrado em seu nome.

Havia muitas fotos do acusado e conversas que comprovavam sua ligação com o PCC. “Possuía função de destaque, inclusive mencionava a função de venda de rifas, cobrança de ‘caixotes’ [mensalidades] e prática de vários crimes”, citou um dos policiais civis.

Outra informação considerada relevante pela Justiça foi as mensagens que comprovavam o relacionamento amoroso do réu com uma das mulheres detidas na casa – a outra era sua sogra. “Por certo, o acusado foi a pessoa que fugiu”, afirmou o agente.

O réu, por sua vez, negou envolvimento com a facção criminosa e, quando aos seus pertences, afirmou que a esposa ficou com seu celular porque estava descarregado. Sobre o documento, afirmou ter perdido anteriormente e, depois, foi encontrado com a companheira. Citou também que desconhece os demais detidos e que não sabia que a esposa estava na casa da sogra, bem como a isentou de participação em qualquer ato criminoso.

OS CINCO EPISÓDIOS
Antes de sentenciar, o magistrado separou toda a trama em cinco episódios

1 – cinco acusados foram encontrados e presos no endereço indicado nos autos e que servia de palco para um “mini laboratório” de drogas;
2 – os policiais relataram a evasão de um sexto elemento nesta mesma data;
3 – foi encontrado um documento pessoal do acusado F. no imóvel invadido pelos policiais;
4 – foram apreendidos diversos aparelhos celulares, dentre os quais, um inequivocamente pertencente a F.;
5 – o aparelho de F., após devidamente analisado pela polícia, com autorização judicial, traz informações no sentido de que, além de ser amásio de uma das acusadas presa no local dos fatos, pertence à facção PCC.

A partir dos cinco episódios, o juiz concluiu o julgamento pela condenação do réu. “Analisando-se detidamente os cinco fatos mencionados que sintetizam toda a trama processual, cotejando-se com os argumentos da acusação e defesa, e especialmente, valendo-se do método indutivo de interpretação, onde se faz uma coligação minuciosa de indícios, e depois, avalia-se a sua aplicabilidade à realidade prática, de acordo com as regras de experiência, foi possível ao juízo alcançar as seguintes conclusões: 1 – com plena certeza havia um sexto elemento no imóvel averiguado pelos policiais, e que estava envolvido na prática do tráfico de drogas, como relatado com notável firmeza pelos militares ouvidos; 2 – o enquadramento da pessoa de F. nesta sexta figura, embora inicialmente não pudesse ser aferida de plano, acabou por ser reforçada pelo encontro de seu documento pessoal e aparelho celular no palco dos fatos, até porque tais circunstâncias não são corriqueiras; 3 – o fato de F. ser companheiro de [nome da mulher] também é fator que confere maior probabilidade de seu envolvimento com o imóvel utilizado para preparo e distribuição de drogas, não se tratando de mera ‘biqueira’ para vendas, dada a elevada quantidade de entorpecentes e de materiais destinados à produção de drogas, tratando-se, como já consignado, de pequeno laboratório; 4 – a versão do réu em fase policial e em juízo, no sentido de que é mero trabalhador braçal, e que no dia dos fatos por mero acaso deixou seu documento pessoal e seu aparelho de telefonia com a sua companheira, não convence, tratando-se de narrativa pouco verossímil, até porque tais objetos, de uso personalíssimo, costumam ser portados pelo proprietário; 5 – também surpreende a versão do acusado no sentido de que não tinha conhecimento do envolvimento da própria esposa e sogra no tráfico de entorpecentes realizado na cidade, em seu nível de complexidade mais elevado, sendo mendaz a narrativa de que não mantinha boa relação com a sogra; 6 – por fim, se alguma dúvida existia no sentido de que o acusado estava no imóvel invadido [licitamente] pelos policiais militares, tal dúvida foi definitivamente eliminada pelo fato de ter sido apurado o seu forte vínculo com facção criminosa, restando sobejamente demonstrado pela análise de seu aparelho celular ser integrante do PCC, e, provavelmente, o responsável-mor pelo arsenal de drogas desvendado pela polícia. Logo, consideradas todas as circunstâncias apresentadas, é certo que o réu F. era a sexta pessoa que se encontrava na casa, e guardava, preparava e mantinha em depósito, para distribuição mediante lucro, elevada quantidade de drogas, insumos e petrechos”, concluiu.

CONDENAÇÃO E ABSOLVIÇÃO
F. foi condenado à pena de oito anos de reclusão pelo crime de tráfico de drogas e a três anos de reclusão por associação para o tráfico. O magistrado o absolveu da acusação de armazenamento de insumo destinado a preparação de drogas e também da posse de maquinário para a mesma finalidade. Cabe recurso.

Foto: Polícia Militar

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