A oitiva do Presidente da República na condição de investigado: presencial ou por escrito?

por Edmar Silva

Com a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Presidente da República seja investigado por suposta prevaricação no caso da compra da vacina covaxin, voltou à tona a questão envolvendo a forma de oitiva do chefe do Executivo durante a investigação, na condição de investigado. Discute-se se a sua oitiva deve ser presencial ou se pode ser feita por escrito.

Criou-se tal celeuma porque Código de Processo Penal (CPP) prevê a possibilidade de que algumas autoridades, incluindo o Presidente, prestem depoimentos por escrito quando são chamadas a juízo na qualidade de testemunhas, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício (art. 221, §1º, in fine, CPP).

Ocorre que essa previsão é específica às testemunhas detentoras de cargos públicos de alto escalação, como o Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF, inexistindo idêntica previsão quando essas autoridades são ouvidas na qualidade de investigadas.

Quando se trata da oitiva do investigado, o CPP determina que ele seja ouvido pela autoridade policial ou por quem lhe faça as vezes com observância do disposto no capítulo inerente ao interrogatório judicial (art. 6º, inciso V), ou seja, nos mesmos moldes em que o réu é ouvido pelo juiz já na fase processual.

E dentro desse capítulo do interrogatório do acusado, cuja previsão está nos artigos 185 e seguintes do CPP, não há qualquer autorização para que a autoridade em referência seja ouvida por escrito quando se encontrar na condição de investigada. Pelo contrário, extrai-se do teor dos artigos inseridos no mencionado capítulo que a regra é a oitiva presencial.

Privilegia-se, assim, o princípio da oralidade dos atos processuais penais, em conformidade com as mais recentes alterações legislativas realizadas no CPP, na medida em que se garante a necessária interação presencial entre o investigado e a autoridade responsável pela sua oitiva. Ainda, repele-se privilégio indeterminado, dando-se efetividade ao princípio da igualdade.

Por outro lado, em razão do princípio do devido processo legal, não poderão ser subtraídas do Presidente as garantias asseguradas a todos os investigados ou réus, tais como o direito ao silêncio e ao não comparecimento ao interrogatório ou a algum outro ato processual.

Conclui-se, então, que, sem prejuízo das garantias processuais penais inerentes a todo e qualquer investigado ou acusado, o Presidente da República, se decidir dar sua versão dos fatos na condição de investigado, deverá fazê-lo presencialmente e não por escrito.

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Formado em Direito, aprovado pelo exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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