Zona de Interesse: a banalização do mal

por Farid Zaine
@farid.cultura

Pense num filme que comece assim: tela escura por um bom tempo, com um som angustiante na trilha sonora; você não vê nada, mas sabe que há algo de muito estranho acontecendo. A plateia, incomodada, começa a questionar a razão dessa ausência de imagens. Assim começa o novo longa do diretor inglês Jonathan Glazer, que parece querer, desde a primeira sequência, avisar-nos de que existe algo muito ruim prestes a acontecer, mas que não veremos nada além de placidez e beleza: pois logo após a tela escura, o cenário se ilumina com uma bucólica cena de uma família fazendo um piquenique à beira de um rio; pássaros cantam, o som da água é reconfortante , e saímos do sufoco para pensar no que vem pela frente. O filme em questão é “Zona de Interesse”, representante do Reino Unido na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar, mas também indicado a melhor filme do ano junto com mais três indicações, as de melhor diretor, melhor roteiro adaptado e, claro, melhor som.

Há uma recorrência muito grande no Oscar da presença entre os indicados de filmes que tratam do Holocausto, alguns de grande sucesso e sempre entre os mais lembrados, como “A Lista de Schindler”, Oscar de Melhor Filme em 1994, dirigido por Steven Spielberg, e “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni, Oscar de Melhor Filme Internacional em 1999, na época chamado filme estrangeiro, . “O Menino do Pijama Listrado” também é bastante popular. São obras importantes, mas tratam o tema com o viés do espetáculo. Já outros tentam chacoalhar o público provocando nele as sensações horrorosas pelas lembranças de uma das mais infames páginas da história da humanidade. O filme húngaro “O Filho de Saul”, por exemplo, radicaliza no seu formato, entregando uma experiência claustrofóbica difícil de acompanhar. Filme magnífico.

Agora, com “Zona de Interesse”, Jonathan Glazer nos convida a entrar na casa de uma família onde tudo parece transcorrer na mais absoluta normalidade: as crianças brincam, os donos da casa, Hedwig e Rudolf, discutem coisas banais e até fazem graça sobre sexo, criados trabalham duro e em silêncio, o jardim é lindo, com variadas espécies de plantas com flores exuberantes… Entendemos rapidamente que se trata de uma família de nazistas, sendo o chefe da casa, Rudolf (Christian Firedel) também o comandante do mais tenebroso campo de concentração, o de Auschwitz, que fica logo atrás dos muros da casa, permitindo que se veja a fumaça que sai dos trens que chegam transportando milhares de judeus que serão mortos nas câmaras de gás, e também as chaminés dos fornos crematórios de seus corpos. O fascinante trabalho de som do filme nos traz, a todo momento, ruídos sombrios que misturam choro de crianças, gritos, palavras de ordem, tiros, prantos sufocados. Nada disso abala a placidez da família, feliz com suas posses, sua mesa farta, seus leitos aquecidos. A mulher, Hedwig (Sandra Hüller, indicada a Melhor Atriz por “Anatomia de Uma Queda”), quer é ficar para sempre nesse lugar que chama de “paraíso”, mesmo quando o marido anuncia que será transferido, como promoção por sua elogiada atuação respondendo ao comando do III Reich. Vale até comemorar a tarefa de procurar meios rápidos e eficientes para eliminar dezenas de milhares de judeus húngaros.

“Zona de Interesse” chega para entrar na lista de melhores filmes sobre o Holocausto, mas com um olhar muito diferente da maioria do que se fez até agora sobre o tema. Seu mérito é provocar sensações de angústia e revolta sem que nenhuma cena explícita da carnificina imposta aos judeus por Hitler seja mostrada. A provocação maior é nos fazer pensar que a banalização do mal pode estar acontecendo também agora, enquanto comemos pipoca e tomamos refrigerante numa confortável sala de cinema ou nos sofás de nossas casas.

ZONA DE INTERESSE (UK, 2023) – Longa dirigido por Jonathan Glazer , com 5 indicações ao Oscar 2024 – Em cartaz nos cinemas.
Cotação: *****ÓTIMO

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