Terrorismo não é liberdade de expressão

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

No início dos anos 70 do século passado, uma pesquisa de opinião dava conta da preferência ideológica e do especto político do povo brasileiro. Embora o entendimento de muitos (a maioria) seja limitada sobre o que é ser de esquerda, de direita ou de centro, a pesquisa deu conta de que uma parcela que não passava de 15% da população não era afeita à democracia.

Esta parcela se identificava com alguns grupos tidos conservadores radicais, entre eles o mais famoso, o malufismo, ligado ao ex-governador de São Paulo Paulo Maluf.

Os que defendiam estes segmentos: a ditadura militar, a qual chamavam de Revolução de 64, pautas contrárias a comunidade LGBTQ+, supremacia branca, não ao aborto, defesa da família nuclear, bandido bom é morto e de preferência se identificado com a raça negra, e por aí vai.

O malufismo teve vida longa, mas nunca em sua história se contabilizou conspirações que levavam ao terrorismo e a violência. O perfil destes era branco, rico ou de classe média, nada afeitos à cultura e às artes e dedicados ao lema “pagando bem, que mal tem?”.

Esta turma se manifestava e até festejava tragédias como o massacre do Carandiru, a chacina da Candelária e até o assassinato do Índio Galdino por playboys de classe média. Os analistas políticos sempre tranquilizavam as pessoas de que esta horda de fundamentalistas não tinha capacidade de ascender ao poder, pois a sociedade rejeita o “radicalismo” seja de direita, seja de esquerda. Mesmo com o histórico da ditadura militar como espelho, os ditos extremistas não cresciam.

É bom fazer um parêntese aqui.

Em 1964, a aceitação popular a medidas violentas de tomada do poder colocava uma maioria favorável ao golpe. A aprovação corria igrejas, quartéis, universidades, empresas e por aí vai. As esquerdas e os democratas ficaram isolados, conseguindo reação apenas na segunda metade dos anos 1970. Houve apoio popular e as instituições fracas se curvaram às botas dos generais.

O aspecto ideológico do golpe rondou corações e mentes por todos os 21 anos de obscurantismo. Não era só a força, era a manipulação ideológica com suas mensagens, como Brasil, Ame ou Deixe-o. Mas os movimentos populares e sociais souberam aprender com erros.

Voltam às bases, passam a reconstruir uma resistência mais propositiva e com consciência, sobretudo a Igreja Católica e suas Pastorais populares.

A consciência crítica coloca os pobres em uma condição de ser sujeito da sua própria História. E aí a ditadura começa a ser derrotada. No final dela, dois pontos devem ser considerados. O primeiro, positivo, é que o regime autoritário vai ser rechaçado pela imensa maioria da população. O segundo, negativo, diz respeito a não punição dos assassinos da ditadura: generais presidentes, ministros, torturadores e outros, muitos outros.

Esta anistia ampla aos ditadores nos traz uma herança a qual Bolsonaro e seus fascistas se aproveitam e tecem suas narrativas. O Brasil, ao contrário dos nossos vizinhos, Argentina, Uruguai e Chile, não fez as pazes com o passado de morte. Os argentinos, só para ficar neste exemplo, colocaram na cadeia já em 1983, quando a democracia voltou, os sete militares que governaram e mataram mais de 35 mil pessoas na cadeia. O último deles morreu recentemente.

O livro “A Noite dos Generais”, lançado ainda na década de 80, mostra o processo de tribunal popular que julgou os ditadores e que os colocou na cadeia. Vale a pena lê-lo. Já aqui uma grande consertacion deixou impunes assassinos e escondeu a verdade dos fatos por décadas.

O bolsonarismo não é nenhuma novidade, como vimos acima. Porém, pela primeira vez na história a extrema direita consegue se organizar, deixa de ser um agrupamento que rosna feito vira-latas para pitbulls ferozes e que matam.

Não há como imaginar que esta horda que agora se torna terrorista, depois do ataque aos Três Poderes, se voltaram ou não para sua insignificância ou que as punições possam ser suficientes para devolvê-los ao armário. Não se trata de ser apenas cedo. De 2013 para cá, este segmento cresce ao criar pautas moralistas e de costumes. Se fortalece em instituições fundamentalistas, em especial igrejas.

Faltava um líder que canalizasse as convicções e dogmas, como narrativa política de disputa do poder. Jair, o miliciano nunca levado a sério pelos democratas, colocou no chinelo malufistas e outros grupos, mostrando que o caminho era estarem juntos contra o “mal”: as esquerdas, os negros, as mulheres, a Comunidade LGBTQ+, os pobres em geral.

Teorias enterradas, saem das catacumbas e tomam assento na pauta nacional, como o negativismo e a liberação das armas. Durante quatro anos, um dia sim, um dia também, Bolsonaro e sua rede ideológica nas redes sociais construíram a tese do nós contra eles, criando uma consciência que beira o psiquismo descontrolado a um universo paralelo, onde rezar para um amontoado de pneus velho ou pedir a intervenção de ETs passa a ser verdadeiro.

Este escrevinhador não via um jovem amigo há muitos anos. Recentemente, ficamos desolados ao encontrá-lo, distante, cara amarrada, e fazendo de conta que não estávamos ali. A animosidade deste garoto, um bom garoto por sinal, tem uma explicação: a doutrina bolsonarista de que não concorda comigo, é meu inimigo.

Na última segunda-feira, uma cena no acampamento golpista de Brasília nos chamou a atenção. Uma mulher de no máximo uns 30 anos, ajoelhada no meio de policiais que pediam para todos saírem do lugar, falava algo aos berros que ninguém conseguia entender ser uma reza ou um lamento.

O bolsonarismo faz mal às famílias brasileiras, disse recentemente o pastor Henrique Vieira. O hoje deputado federal tem toda a razão. As intrigas causadas pelas narrativas alimentam o ódio e criam situações de violência que podem ser irrecuperáveis.

A invasão terrorista nos três poderes no domingo não tem nada a ver com terceiro turno, ou liberdade de expressão. As cenas que todos presenciamos ao vivo e em tempo real daquele triste episódio nos levam a crer que o Brasil precisa urgente se reconciliar consigo mesmo. Os criminosos devem pagar pelo que fizeram ou farão.

Mas os pobres em especial devem se perdoar e abandonar o bolsonarismo, que não é uma divergência política, é uma organização hoje até que se comprove o contrário, criminosa.

Apesar deste texto ser um alerta de que ainda corremos perigo, não de golpe, mas de descambar a dignidade do País, sugiro, para abrandar o fim de semana, que assistam na Globoplay o Altas Horas do último sábado dia 7, uma homenagem linda ao amor e a Milton Nascimento.

Um abraço a todas e todos.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.