O Brasil dos ricos e a distribuição de renda

por João Geraldo Lopes Gonçalves

“E o motivo todo mundo já conhece
É que o de cima sobe e o de baixo desce
E o motivo todo mundo já conhece
É que o de cima sobe e o de baixo desce” (Trecho da canção Xibom Bombom).

Os versos acima foram interpretados por uma banda formada por mulheres, intitulada “As Meninas”. Foi já no final da década de 90 do século passado. O ritmo da Axé Music explodia por todo o Brasil e assuntos políticos e sociais, às vezes, eram trabalhados nas canções.

Os de cima sobem, os de baixo descem, não só era uma realidade naqueles tempos, como nos persegue até os dias de hoje.

No fim do século, o País colecionava alguns títulos bem vergonhosos. Um deles, o mais preocupante, era nossa posição no mapa da fome, onde nos primeiros anos do século 21 acumulávamos mais de 50 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. Era certo que havia algo errado por aqui.

Se tínhamos uma enormidade de pessoas passando fome e morrendo por isto, ao checar os mais afortunados, a pirâmide social não ultrapassava a 1% de ricos, com maior concentração de renda.

Na época, uma imagem publicada na capa do jornal Folha de São Paulo mostrava estes números com uma constatação. Uma garota de, no máximo, oito anos foi encontrada em um beco sujo de São Paulo, com roupas rasgadas e velhas e com um único pedaço de pão nas mãos.

A foto, que ganhou prêmios pelo mundo afora, chocou muita gente e ajudou a despertar para uma triste realidade desde a invasão portuguesa em nossas terras. O Brasil é dividido entre muitos que ganham pouco e poucos que ganham muito.

A pirâmide social

A expressão do título acima aparece com força no final dos anos 70 e 80 do século XX. Instituições como o DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sindicais) e outras como FGV divulgavam dados e informações sobre renda e consumo no Brasil, bem como o status socioeconômico da população.

As publicações no início não chegavam à maioria do povo. Estávamos na ditadura militar e o regime tinha lado, e que não era da justiça social. Com o surgimento da Teologia da Libertação, desencadeada na Igreja Católica, estas informações tornaram-se material didático para reflexões e formação para jovens e leigos.

Materiais impressos eram confeccionados para que fosse mais fácil o entendimento. A pergunta “Que País é Esse?” era posterior a uma imagem que continha nos folhetos e livros. O desenho de uma pirâmide, ao estilo dos faraós Egípcios. Com o topo espremido, vinha um percentual tímido de mais ricos que possuíam a maior parte das riquezas nacionais.

A parte mais larga se tratava dos pobres, que percebiam a menor fatia da renda do País, e eram a grande maioria. Estas ilustrações nos faziam meditar sobre a dicotomia das injustiças sociais e porque elas acontecem. E mais uma vez recorríamos a arte para compreender esta situação.

Abaixo duas reflexões. A primeira uma canção e a segunda um poema. Felizmente, a arte e cultura no País sempre estiveram a serviço do pensar a realidade e as necessidades de nosso povo.

Não é qualquer nação que tem um Vinicius de Moraes e um Zé Geraldo.

“Hoje o homem criou asa
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar”

Esta é a estrofe final da canção “O Cidadão”, escrita por Lúcio Barbosa, mas gravada por Zé Geraldo em seu primeiro disco em 1979. Tocávamos esta obra nas missas e reuniões da comunidade de Jovem, e ela servia para nossos debates acalorados sobre o Brasil.

A identificação com a letra era clara. Éramos filhos de operários, muitos da construção civil e cristãos. Para nós Jesus estava na face dos excluídos e marginalizados da sociedade. Assim não havia por que não entender o que a canção popular nos dizia.

A história de “O Cidadão” é de um pedreiro que narra o fato de ser ele que constroem casas, igrejas, pontes e tudo que se vê nas cidades. Mas ele não pode entrar, pois apesar de ter sido o responsável por tudo, quem se diz dono é o que oferece a ele condições de vida precária e que o leva a miséria.

“Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão”

Em 1980, os Metalúrgicos do ABC Paulista estavam em greve, um dos maiores movimentos não só reivindicatório, mas de oposição à ditadura militar. Depois de dias de paralisação e muita repressão, a solidariedade da sociedade se fez presente. Entre elas dos artistas.

O trecho acima é do poema Operário em Construção, de Vinicius de Moraes, escrito em 1959. No entanto, após 21 anos o poetinha Vinicius, empunhando apoio aos trabalhadores em uma missa (olha a religiosidade aí), com os operários em greve faz a leitura do texto.

Uma alegoria da conversa de Jesus Cristo com o diabo, Vinicius de Moraes, transcreve o diálogo tenso entre um operário e seu patrão. Como no texto bíblico que o demônio tenta comprar Cristo, o mesmo o faz o Patrão.

Mas o Operário disse NÃO, como o próprio filho de Deus respondeu ao Diabo. Outro texto que nos traziam identidade. Nele descobrimos as desigualdades sociais e nossa consciência de classe, que somos capazes de fazer parte do bolo e do PIB, como diz hoje o presidente Lula.

Na semana que vem, vamos discorrer sobre a Medida Provisória do governo que taxa os mais ricos.

Um bom final de semana, a todas e a todos.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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