Juros: por que existem?

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

De tempos em tempos, recordamos de um livro muito comentado em segmentos universitários, acadêmicos, intelectuais e também em parte das esquerdas. Trata-se da obra premiada “A História da Riqueza do Homem”, de Leo Huberman.

O americano Leo escreveu uma das obras mais importantes, do ponto de vista pedagógico, que já lemos sobre o assunto. É bom informar que o escritor era marxista e lançou a obra em 1936. Portanto, a narrativa do livro que começa na baixa Idade Média, passa pela alta, vê o nascimento do Capitalismo, termina com o surgimento da União Soviética e do socialismo. Lançado antes da Segunda Guerra, mas já no contexto do nazifascismo e das crises cíclicas do capitalismo.

Em uma breve pesquisa, descobriu-se que o livro de Leo não é adotado em nosso programa didático, nem na rede pública, muito menos na privada de educação. Durante a ditadura militar, era um dos livros das listas vermelhas e perigosas para as pessoas, sendo censurado no País. Só colecionadores ou leitores progressistas tinham cópia, guardada a sete chaves, pois ser pego com ela era cadeia na certa.

Lemos o bom e velho Leo, nos anos 80, de forma coletiva já que clandestinamente tínhamos apenas um volume. Leo Huberman utiliza uma linguagem, como dissemos, didática e de fácil entendimento. Qualquer pessoa poderia e pode lê-lo, foi escrito exatamente para o leigo, o estudante que se inicia nos estudos.

Dividido por capítulos, trabalha cronologicamente a história da economia moderna, os meios de produção, o papel das instituições, a formação das cidades, o surgimento do sistema de troca, o dinheiro e os bancos.

Para compreender o que vem a ser os temidos juros, para nós pobres mortais que vivem de salário e precisam comprar para viver, e tão adorados para o chamado Mercado Financeiro especulador, vamos em poucos parágrafos narrar seu surgimento.

O ser humano, durante o período da Idade Média, viveu um modo de organização econômica, intitulado feudalismo. Composto por feudos e ainda sem os Estados Nacionais, vivia um sistema de trocas de produtos, para que toda a sociedade do lugar pudesse viver.

As trocas eram de mercadorias e, no princípio, consistiam em um pelo outro. Depois cada produto foi tendo um valor, de acordo com a demanda. Exemplo: se fosse raro ou precioso, valia a mais. Se todos utilizassem, o valor seria mais em conta. Mas se estivesse em falta, subia novamente seu preço.

Um cavalo, para ser adquirido, seria necessário duas ovelhas e algumas galinhas e porcos, só para ilustrar o sistema.

Com o tempo, os senhores feudais, donos da maior parte das terras, sentem necessidade de trocar mercadorias com outros feudos, organizam mercados em seus locais e também viajam para outros a procura de mercadorias. Com o tempo, vão surgindo necessidades, como estradas para carregamento de produtos para as feiras e para casa. Taxas depois chamadas de impostos, primeiro no sistema de trocas, eram pagas aos senhores feudais, para que os mesmos construam estradas, pontes e a infraestrutura necessária.

Neste tempo, as cidades vão surgindo e uma indústria – a dos artesões -, antes confinada a sustento próprio, migra para estes lugares e lá começa a produzir. Mas o sistema simples de trocar um produto pelo outro estava criando sérias dificuldades. O que fazer? Criar uma moeda de circulação entre as mercadorias.

Naquele tempo, quem acumulava, moedas ou ouro, eram os nobres e a Igreja. Coube aos primeiros as fazer circular a nova forma e aí o dinheiro está criado. A mercadoria continua tendo valor, mas já não é mais pago com produtos e sim o dinheiro. No início, os preços eram regulados pelos senhores dos feudos, depois surgem os comerciantes que de acordo com a procura, ofertam seus preços. Vai surgindo aí o mercado produtivo e sua política de preços.

No entanto, com o surgir das cidades, várias outras necessidades surgem e nem todo mundo tinha o dinheiro para investimentos. Assim, nobres e lideranças religiosas começam a emprestar dinheiro e cobrar uma pequena taxa, como compensação pelo ato realizado. Com isto surgem duas figuras: o banqueiro e os juros.

No início, a Igreja Católica foi contra o pagamento dos juros, rogando como o pecado da usura, quando se quer mais que o necessário. Mas depois tolerou esta prática, que regula financiamentos até os dias atuais. Nas sociedades modernas, os juros estão intimamente ligados a circulação de dinheiro.

Quanto mais tem investimento, menor o juro, como menor o risco de inflação. O contrário é verdadeiro. Então, Janjão, é justo cobrar juros altíssimos no primeiro cenário? Não: quanto mais juros, mais dívidas e menos produção, capaz de fazer a roda de geração de empregos e renda girar. Não se produz um prego se não houver capacidade de capital para injetar no planejado. É assim que funciona.

Na sociedade atual deste século da Era da Informação, com juros altos só um setor ganha, e não é a economia de produção, tampouco os trabalhadores. A especulação financeira vive dos juros, dos rendimentos e não das mercadorias. O Mercado da Especulação compra massas falidas e as revende, sem ter intenção de produzir nada, praticando juros na casa do chapéu, como diz o ditado popular.

O Banco Central, criado pelos militares em dezembro de 1964 alguns meses depois do golpe, teria uma tarefa, o de regular o mercado financeiro. Não é à toa que foi chamado como o Banco dos Bancos. Sua prioridade deveria conduzir monetariamente a economia, equilibrando lucros e distribuição. A autonomia do banco tem como discurso trazer estabilidade às contas públicas sem interferência política. Mas não é o que vem ocorrendo. Os juros altos inibem a produção e, com isto, encurtam a arrecadação e o oferecimento de políticas públicas aos pobres.

O presidente Lula tem autoridade política para cobrar um comportamento do BC mais atento a distribuição de rendo do que o mercado financeiro. O BC não deve ser o condutor político. Não é poder, é Estado e um instrumento dos poderes. Não se trata de repensar a autonomia do BC. E sim sua postura, menos mercado, mais povo brasileiro.

E fica sugestão aqui para leitura do livro “A História da Riqueza do Homem” e, para entender o Brasil, a excelente obra de Celso Furtado, “A Formação Econômica do Brasil”.

A todas e a todos um bom final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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