Homem ao mar

por Leandro Consentino

O governo Bolsonaro nasceu sob o signo do descontentamento com a política tradicional no Brasil, materializada pelos malfeitos do Centrão e pelos escândalos de cifras bilionárias durante o ciclo petista, em grande medida investigados pela Operação Lava Jato.

A aliança com os militares era estratégica, para além da origem funcional do presidente, com vistas a emprestar uma aura de moralização ao governo que nascia. Afinal, os fardados seriam a última reserva moral da República e jamais permitiriam que novos casos de corrupção viessem à tona.

Com a pandemia de covid-19 e as investigações sobre a gestão do governo federal, descobriu-se que a imagem de probidade dos atores envolvidos na atual administração não resistiria a um escrutínio mais detido e os escândalos de corrupção em meio à compra de vacinas começaram a emergir. Mais grave: os militares estavam envolvidos nessas tratativas.

Diante da imagem desgastada, as Forças Armadas travaram uma queda de braço com os novos sócios do Palácio do Planalto – vejam a ironia, justamente o Centrão – e acabaram perdendo espaço. Hoje, o presidente da República não mais enverga a farda para se dizer um capitão, mas rememora sua carreira política tragicômica para dizer, orgulhosamente, que nasceu e pertence ao Centrão.

O apoio entusiasmado à eleição de Arthur Lira para a Presidência da Câmara dos Deputados no início do ano e, agora, a nomeação do senador Ciro Nogueira para o Ministério da Casa Civil consagram a entrega das chaves do país ao grupo que Bolsonaro dizia, nos longínquos idos de 2018, iria defenestrar da política brasileira. Ao invés de expulsá-los do navio, deu a eles o leme da embarcação.

No entanto, é sempre bom lembrar que, apesar de ganhar o controle do navio, o Centrão não desejará comandar uma nau à deriva ou, ainda pior, um navio que parece, a cada dia que passa, estar indo a pique. Se perceberem que o capitão não tem condições de se manter à frente da embarcação, não hesitarão em tomar os botes e remarem para outro transatlântico mais seguro.

Pode ser o de Mourão, antes mesmo de 2022. Pode ser o de Lula ou de alguém da terceira via, nas eleições. Abraçar o afogado, contudo, é prática que esse grupo não costuma levar adiante.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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