por Vinícius De Sordi Vilela

Um novo mundo vem sendo desbravado pelas pessoas, semelhante às expedições marítimas realizadas pelos europeus entre os séculos XV e XVI, conhecidas como as “Grandes Navegações”, com similares incertezas e propósitos, riscos e desafios.

Alguns leitores podem pensar que se está falando das recentes viagens à Marte, ou mesmo o lançamento do turismo espacial das últimas semanas, contudo, o mundo a que se refere o parágrafo anterior é o mundo digital, no qual, cada vez mais as pessoas se lançam na busca por seus anseios e curiosidades, ou mesmo são inseridas pela necessidade do isolamento a que todos foram submetidos neste estado pandêmico.

O mundo digital é uma realidade na vida de muitas pessoas, prova disso é o aumento do consumo através do chamado e-commerce, o grande tráfego de reuniões, aulas, negócios celebrados no ambiente digital, assim como do aumento dos usuários em redes sociais, dentre as inúmeras ocorrências possíveis e inimagináveis, que fazem com que o tráfego de informações se dê com alta velocidade e grande quantidade.

Todo esse avanço tecnológico, que nos transporta ao mundo digital e nos aproxima uns dos outros, reduzindo, consideravelmente, a distância global, faz com que o tempo, por seu turno, seja implacável, haja vista que, neste mundo digital, as informações circulam numa velocidade jamais vista, fazendo com que as manchetes dos jornais impressos já não sejam novidade.

Assim, as pessoas devem estar preparadas para conviver neste novo ambiente, conhecer os seus direitos e deveres, para que não incorram, involuntariamente, em algum tipo de ilícito, ou mesmo para que não lhes seja ofendido algum direito, principalmente em relação às pessoas consideradas hiper vulneráveis – as crianças, adolescentes e os idosos.

Nesse sentido, apesar de a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei Federal nº 13.709/2018, estar em voga atualmente, principalmente pelo fato de se iniciar a aplicabilidade das penalidades ali previstas, é importante destacar que outras leis a antecederam, lançando as balizas no tocante aos institutos jurídicos com repercussão no mundo digital.

Isto é, apenas para exemplificar aqui, traz-se a lume a Lei Federal nº 9.472/1997, conhecida como “Lei Geral de Telecomunicações”, a Lei Federal nº 9.609/1998, que dispõe acerca da proteção da propriedade intelectual de programa de computador, a Lei Federal nº 8.078/1990, conhecido como Código de Defesa do Consumidor, que, embora não mencione as tratativas realizadas no ambiente virtual, é aplicável às relações de consumo entabuladas no ambiente virtual.

Outra lei que merece destaque dentro deste conjunto normativo regulatório da seara digital é a Lei 12.965/2014, conhecida como o “Marco Civil da Internet” que, aliás, é considerado o microssistema legislativo, criado especificamente para estatuir as garantias e direitos, bem como deveres concretos, por meio dos princípios e vetores que balizam uso da internet no Brasil, com destaque para a proteção da privacidade e a proteção dos dados pessoais.

Ou seja, uma das principais preocupações que o “Marco Civil da Internet” apresentou foi justamente a tutela dos dados pessoais quando coletados e tratados no ambiente digital, sendo certo que, por se tratar de uma norma principiológica, deverá ser interpretada, agora, sob o viés da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a qual dispõe, de modo específico, acerca do tratamento de dados pessoais dos cidadãos brasileiros, e não meramente no território nacional, uma vez que a LGPD tem previsão de aplicação extraterritorial.

Nesse vértice, as relações sociais travadas neste ambiente digital ganharam um exponencial reforço através da LGPD, a qual tem por objetivo expresso o de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, sob a ótica dos dados pessoais armazenados e decorrentes de qualquer meio, seja analógico, seja digital.

Por conseguinte, qualquer relação travada tanto no ambiente analógico quanto digital, que envolva o tratamento, tanto por pessoa natural e/ou pessoa jurídica, de informações consideradas como dados pessoais, deverá observar os preceitos emanados da LGPD, sob pena de incidir numa penalidade, uma vez que os dados pessoais configuram um dos ativos mais valiosos no ambiente digital, sendo considerado por alguns, o “petróleo” da vez.

Melhor dizendo, como é possível observar pela cronologia normativa sinteticamente aqui exposta, a partir dos anos 1990 surge a preocupação em se regulamentar a proteção de dados pessoais de forma mais consistente, ante o desenvolvimento das relações jurídicas no mundo digital, o qual passou a ter uma conexão muito maior quanto ao fluxo de dados, especialmente relacionados às pessoas, viabilizados pela globalização e pela tecnologia.

Assim, visando preservar um dos direitos de maior importância então reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 – o direito à privacidade, bem como permitir com que haja uma circulação de dados pessoais de maneira a preservar a sua integridade, vem ganhando cada vez mais importância a tutela dos dados pessoais frente à dinâmica global com que as relações jurídicas vão sendo travadas neste ambiente digital.

E isso ganhou relevância com a LGPD que trouxe um conjunto normativo específico na regulamentação de tal dinâmica, notadamente, com a necessidade do consentimento expresso do titular de dados pessoais acerca do tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada, explicitando, ainda, o procedimento de armazenamento, modificação, compartilhamento e eliminação de tais dados pessoais, com a finalidade de se observar o respeito à privacidade, a autodeterminação informativa, a inviolabilidade da intimidade, honra e imagem, a liberdade de expressão, de informação de comunicação e de opinião.

Ademais, por meio da LGPD é possível a um titular de dados pessoais obter de determinada empresa, a informação acerca de quais dados pessoais seus estão em uso, a modificação ou eliminação de seus dados pessoais, ou mesmo a portabilidade do cadastrado de um fornecedor para outro.

E a tutela dos dados pessoais por meio de uma lei extremamente técnica, acaba tendo uma enorme relevância nos dias de hoje, em que são noticiados vazamentos de dados pessoais oriundos de instituições públicas e privadas, com destino, em grande parte, à prática de ilícitos por criminosos, uma vez que as empresas responsáveis pelos dados pessoais vazados passam a responder de acordo com a LGPD.

Por conseguinte, hoje em dia, assim como no passado, é imprescindível se lançar a novos mundos, contudo, as pessoas deverão se atentar às melhores rotas que estiverem a sua disposição para que não incorram em nenhum prejuízo a seus direitos fundamentais, como o direito à privacidade, intimidade, honra e imagem, liberdade de expressão e de informação, uma vez que o mundo digital é uma realidade que veio para ficar, devendo todos os participantes deste mundo digital conhecer os seus direitos e deveres para que não se incorra em nenhum ilícito passível de penalização.

Vinícius De Sordi Vilela é advogado, mestre em Direito e professor universitário.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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