Eleições: E o Poder Judiciário?

por Murilo Barbante

Falar em eleição é pensar, sempre, em regime democrático, o qual é definido, na compreensão do pensamento político tradicional contemporâneo, a partir da coexistência da legalidade e da legitimidade.

O regime democrático depende da existência de um governo legal e legítimo, ou seja, quando se dá a eleição e posse de um político em seu mandato, respeitada e de acordo com a legislação existente, pode-se dizer que há conformação com a legalidade. A existência da legalidade caracteriza o Estado de Direito – estruturação liberal (nascida com a ascensão burguesa a partir da Revolução Burguesa), em si/própria, em oposição ao Absolutismo e seus arbítrios.

Ou seja, o Estado opera por meio da legalidade e a garante. Por outro lado, a legitimidade é a concordância daqueles que são dirigentes do Estado, tanto no Poder Executivo, quanto no Poder Legislativo, todos eleitos por meio do sufrágio universal garantido (pela legalidade) através da instituições e normas jurídicas que permitem ao cidadãos decidirem quais serão os seus legítimos representantes políticos.

Veja, a questão da legitimidade perpassa os Poderes Executivo e Legislativo, contudo, não é pensada em relação ao Poder Judiciário, pois há um entendimento (no Brasil, por exemplo) de que não se trata de um poder de representação política, embora a nomeação dos seus membros, sobretudo nas altas cortes, origina-se de decisões políticas do Executivo e do Legislativo.

A partir de uma análise material (de como o Judiciário age, de fato na realidade, em sua práxis, e não no Judiciário idealizado – devir de Justiça) percebese que se superestimam a legalidade e subestimam a legitimidade. Vejamos.

Muitas das decisões dos Tribunais têm nítido caráter político, que afrontam as rupturas e movimentos sociais, ou que se consubstancia a precarização de acesso aos direitos fundamentais individuais e coletivos, mas têm validade, posto que tais decisões não passam pelo crivo dos cidadãos, sob o argumento de que os Tribunais tomam decisões técnicas, e não políticas.

A despolitização do Judiciário (e a judicialização dos movimentos sociais com a transferência do Poder Executivo para o âmbito do Poder Judiciário a responsabilidade acerca do enfrentamento dessas questões – observe, por exemplo, o situação do piso salarial da enfermagem afastado por liminar formada pela maioria dos ministros do STF) decorre da necessidade de garantir maior certeza e segurança jurídica – “manutenção da ordem” – ainda que seja ilegítima; por exemplo, a precarização do trabalho, o encarceramento em massa, a exploração ilimitada do meio ambiente, a sucessão hereditária do latifúndio fundamentado em atos de violência (massacre de indígenas e supressão de reservas ambientais – veja o recente caso mineração da Serra do Curral em Belo Horizonte), etc.

Por essas razões, a análise do Judiciário acerca de sua legitimidade se dá no terreno normativo (legal), nunca histórico-sociológica, uma vez que se subentende a imparcialidade e técnica das decisões, a modo de garantir a manutenção da ordem e a reprodução das relações econômicas nos moldes existentes: a propriedade privada como direito fundamental, a exploração e acumulação de capital em detrimento à vida, a mercantilização das relações sociais, e financeirização e endividamento do indivíduo capturado pelos juros, etc.

O Poder Judiciário torna-se uma barreira (juridicamente) invencível frente a qualquer ruptura da ordem dominante. Não é à toa o esvaziamento democrático daquele poder, reduzindo o jurista contemporâneo a um mero operador técnico de leis e códigos com argumento de autoridade.

Murilo Barbante é advogado, pesquisador em Ciências Jurídicas, pós-graduado em Filosofia e Teoria do Direito – PUCMinas, pós-graduado em Direito Tributário – FDRP-USP. 

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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