Dupla nacionalidade: como adquirir e por onde começar?

por Letícia Simo Veras

De onde vem a história da sua família? Alguém da sua família migrou de outro país? Se sim, como seus antepassados chegaram ao Brasil? Quando e em que circunstâncias? De qual(is) país(es) eles vieram? Qual a distância na linha de ascendência existente entre este antepassado imigrante e você? Ao descobrir essa distância, quantas gerações separam você dessa origem estrangeira? O que as regras desse país preveem na legislação a respeito da atribuição da nacionalidade?

Existem dois modos de atribuição de nacionalidade, o primeiro é pela via originária e o segundo pela via derivada. A atribuição originária de nacionalidade ocorre sem a intervenção do próprio adquirente, pois é uma vontade presumida do Estado definida de acordo com o local de nascimento, a nacionalidade dos pais, ou uma junção de ambos os fatores.

Assim, ao nascer, o curso comum é que a pessoa adquira a nacionalidade do local onde nasceu, ou a de seus pais. Esses dois critérios são chamados de “direito de solo” e “direito de sangue”. Já a aquisição derivada de nacionalidade é aquela que parte de um impulso de vontade do próprio indivíduo, causando a naturalização, ocorre por exemplo no caso da pessoa que após casar-se com estrangeiro opta por naturalizar-se em razão do casamento, adquirindo a mesma nacionalidade do cônjuge, ou quando solicita-se em razão da residência.

A ancestralidade europeia é predominante no Brasil, representando entre 62% a 77% das nossas origens genéticas. Assim, muitas pessoas ainda possuem o direito à atribuição de outra nacionalidade em razão dessa composição e simplesmente, por falta de oportunidade, ou de busca, nunca exerceram o direito à sua múltipla nacionalidade. Importante pensar, que não se trata apenas do seu direito, mas também do direito daqueles que virão depois de você. Trata-se de um legado.

Hoje, abordarei um pouco sobre a aquisição de nacionalidade italiana e espanhola, para que você encontre um norte e descubra se é detentor de direito a alguma dessas. Portanto, a partir de agora, passaremos a tratar de cada uma especificamente.

A lei da Itália dita que a nacionalidade é concedida a todos os descendentes de italianos que possam comprovar, por meio de documentos oficiais, os laços sanguíneos. Diferentemente do que acontece com outros processos de atribuição de nacionalidade, o processo italiano não impõe um limite de gerações a serem alcançadas pelo direito, salvo alguns raros casos de descendência materna.

Havia uma antiga lei segundo a qual mulheres eram impedidas de transmitir a nacionalidade aos seus descendentes na Itália. Assim, em resumo, filhos de italianas nascidos depois de 1º de janeiro de 1948, podem ser facilmente reconhecidos como italianos, mas aqueles nascidos antes, não. Ainda nesses casos, é possível recorrer a um processo judicial exigindo o reconhecimento da cidadania.

O processo de cidadania italiana tem então três caminhos principais: o administrativo, o judicial, ou pela “comune”.

O processo administrativo italiano é realizado através do consulado e é uma opção que implica em menores investimentos e, consequentemente, torna-se o meio mais procurado e lento de todos devido à alta demanda. O processo via “comune” (município) é aquele que se realiza diretamente na Itália, sendo necessário o deslocamento do solicitante para constituir residência legal no país e seria, atualmente, a forma mais rápida. Por fim, a via judicial pode ser requerida tanto por aqueles que montam o processo pela linha paterna, como pelos que o fazem por linha materna, sendo necessário, que a ação judicial seja movida perante o Tribunal de Roma, por advogado habilitado.

No caso da linha materna, será emitida a documentação e o pedido de cidadania que não pode ser feito nas vias administrativas mencionadas. Já no caso de via paterna, além dessa documentação que ordinariamente também é exigida no processo administrativo, o solicitante deve dar entrada no processo consular, comprovando que estava aguardando o andamento da fila.

Já na Espanha o critério utilizado para atribuição de cidadania é o mesmo já citado anteriormente, o “direito de sangue”. Assim, a matemática do direito é simples, são espanhóis os filhos de espanhóis. No entanto, o Código Espanhol diferencia os espanhóis nascidos no exterior, sendo que os filhos de espanhóis nascidos na Espanha sempre poderão obter a cidadania, por origem ou por opção, enquanto os descendentes de espanhóis nascidos no exterior somente terão o direito caso sejam registrados no Consulado Espanhol até o cumprimento dos 21 (vinte e um) anos de idade.

A Espanha também prevê a possibilidade de atribuição da cidadania espanhola por simples presunção, que ocorre quando os filhos cujos pais sejam nacionais de um país que não confere a nacionalidade automaticamente aos descendentes, nasce em território espanhol, este é o caso do Brasil. O objetivo é evitar que seja a hipótese de um apátrida (pessoa sem pátria). A abertura do processo de atribuição da nacionalidade espanhola se inicia com a entrega do requerimento ao Consulado Espanhol com a documentação exigida, essa papelada pode variar de acordo com a natureza da sua solicitação.

A atribuição de nacionalidade desses países lhe permite usufruir de todos os benefícios conferidos pela União Europeia, aos nacionais de seus países membros, tal como livre circulação de pessoas, facilidades para trabalhar, residir e estudar nos países da comunidade. Então, se você gostaria de verificar se possui ou não esse direito, entre em contato com um profissional para avaliação do caso da sua família.

Letícia Simo Veras é advogada, mestranda em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), campus São Francisco. Pós-graduada em Direito Internacional pelo CEDIN/MG. Bacharel em Direito pela UNIMEP e aluna nas matérias de Dir. Internacional Público com ênfase nas Instituições Jurídicas da União Europeia | Direito Penal Internacional e Justiça Internacional, pela Universidade de Sevilha na Espanha. Atuante nas áreas: Internacional, Cível e de Direito de Família e Sucessões. Pesquisadora sobre Direito Migratório, participante do Projeto de Mediação e Resolução de Conflitos para Refugiados e Imigrantes de iniciativa do IPB- Instituto Pro Bono de São Paulo e ProMigra (USP).

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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