Cultura de paz e a possibilidade da mediação como necessidade social

Por Mayra Pollo de Oliveira Silva

Após o período de incertezas vivido pela humanidade com a pandemia da COVID-19, os impactos por ela trazidos ainda são vivenciados e seguirão nos acompanhando por longo tempo. Em muitos casos, inclusive, o chamado “novo normal” criou padrões, sendo que parte deles devem permanecer em definitivo, solidificando novos conceitos e formas de atuação, seja na prestação de serviços individual, no ambiente corporativo, na educação ou nas relações sociais como um todo. De fato, muitas mudanças, apesar de todo o caos instalado com as trágicas perdas e desastre na saúde, soaram bem vindas, na medida em que, com os recursos tecnológicos, mostraram o quanto podemos facilitar nosso dia-a-dia com reuniões virtuais e demais técnicas trazidas para que o mundo não parasse e os “compromissos” diários pudessem ser honrados.

Nas relações sociais, as quais impactam diretamente o Direito e o Judiciário, no entanto, ao invés da tão propagada “empatia” se sobrepor, tivemos consideráveis aumentos nas estatísticas divulgadas por diversos setores, como em questões condominiais, nos quais, segundo a SECOVI-RJ, houve um aumento de 400% nos conflitos, demonstrando o que estudiosos chamam de “conflitologia pandêmica”, gerada por toda a pressão e incertezas de um período jamais vivenciado por uma geração, causando transtornos financeiros, materiais e, principalmente, sobrecarregando emocionalmente a todos, sendo certo que esse lamentável período deverá ser encarado como história de vida para contar.

O que se vê, portanto, é que todos estes efeitos, contrariando as reflexões que deveríamos fazer nesse contexto de caos, em nada contribuíram para a propagação das culturas de paz e um estado mais consciente em termos de resolução de conflitos, de modo que, podem tender a aumentar ainda mais os níveis de beligerância da população em geral, desembocando no Judiciário uma quantidade ainda maior de processos, impactando negativamente nas estatísticas processuais.

De maneira inevitável, a Justiça acaba sendo um termômetro para a divulgação da cultura de paz, considerando que, segundo dados oficiais, já somos um país com 100 milhões de processos em andamento. Considerando que temos duas partes envolvidas em cada ação, é como se quase a totalidade da população estivesse com algum interesse pendente no Judiciário.

Não é de hoje que isso tem se mostrado maléfico ao sistema e, sobretudo, ineficaz em termos de evolução social, na medida em que apenas sustenta uma beligerância que em nada agrega e, dependendo do caso, nada resolve, considerando todas as vias de acesso as quais temos de passar antes de se chegar a uma solução concreta. Assim, o momento mostra-se bem propício para se falar sobre os antigamente chamados Meios Alternativos de Solução de Conflitos, os quais hoje, são os mesmos MASCs, mas agora, Meios Adequados de Solução de Conflitos, os quais vêm se destacando, sendo a Mediação (Extrajudicial ou Judicial) um deles, contando inclusive com uma Lei específica para sua regulamentação, a Lei de Mediação n. 13.140/15, além de artigos dentro do próprio Código de Processo Civil (artigo 3º, §3º, artigo 167), Emenda Constitucional 45/04, Resolução 125/10, Resolução 225/16 do Conselho Nacional de Justiça e no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, o qual prevê que o advogado deve promover a conciliação sempre que possível.

Embora haja diferenças técnicas na aplicação da Mediação e a Conciliação, ambas atuam com o mesmo intuito, devendo seus profissionais investirem nas mesmas habilidades pessoais, conforme será adiante exposto. Importante destacar que, na atuação como Mediador não é requisito ser advogado, porém, por óbvio a formação nos auxilia para uma apurada percepção de cada caso concreto, considerando que os conflitos serão sempre nosso foco de atuação. O Mediador atua como um facilitador, condutor das partes, imparcial e neutro em relação ao objeto que está sendo discutido, sendo que os benefícios são inegáveis, o que pode ser comprovado com o crescente movimento de instalação de CEJUSCs nas comarcas em todo o país.

Como já escrito há séculos pelo filósofo Blaise Pascal, citado pelo professor de Harvard, William Ury, “as pessoas geralmente são mais convencidas pelas razões que elas descobrem por conta própria do que pelas razões encontradas pelos outros”. Ou seja, a solução do conflito pensada pelas partes, com as técnicas e condução pelo Mediador, vem se mostrando eficazes e comprovadas com o crescimento do tema, o interesse nos estudos da CNV – Comunicação Não Violenta, acompanhados pela Conciliação dentro do âmbito Judiciário, pela Advocacia Colaborativa e pelo próprio Direito Sistêmico, temas estes que têm muito a ser explorado, ficando para um outro momento.

Outra questão importante de se pontuar é que a Mediação não pressupõe acordo, mas sobretudo, o restabelecimento do diálogo entre as partes, o que amplia a forma de atuação, colocando-se como além de um meio adequado para solução de conflitos. O profissional da área deve ser visto como efetivo facilitador, condutor, atuando genuinamente de forma imparcial. Nos termos do Enunciado 22 do CJF: “A expressão sucesso ou insucesso do artigo 167, §3º do Código de Processo Civil não deve ser interpretada como quantidade de acordos realizados, mas a partir de uma avaliação qualitativa da satisfação das partes com o resultado e com o procedimento, fomentando a escolha da câmara, do conciliador ou do mediador com base nas suas qualificações e não nos resultados meramente quantitativos”. Daí a importância de profissionais efetivamente capacitados nas técnicas, para que realmente se atinja os objetivos inerentes à esta proposta de atuação, não bastando o conhecimento legal.

Um dos pontos abordados no estudo, é o que se chama de Quociente de Adaptabilidade que o profissional que envereda para esta área deve possuir, equilibrando a técnica (Q.I.) e o Emocional (Q.E.). O Mediador que possuir tão somente a técnica, não contribuirá para a compreensão efetiva do caso, não podendo bem conduzir as partes, limitando ao objeto, à matéria, àquilo que a legislação dispõe. E mais que isso, não conseguirá isentar-se do julgamento e jamais conseguirá aplicar os conceitos, notadamente no que tange à CNV.

Em caso de acordo, com o êxito das sessões de Mediação, é elaborado um termo entre as partes que possui forma executiva de título extrajudicial. Em caso de direitos indisponíveis, o termo será submetido à homologação judicial.

As propostas da Mediação, como os demais MASC’s, não se tratam, portanto, de mais uma forma de atuação dentro da advocacia, recentemente reconhecida pelo Provimento 196/20 do Conselho Federal da OAB, mas são parte integrante da cultura de paz e, o que se vê, vai muito além dos conceitos legais, integrando-se com outras áreas e habilidades, atualmente podendo ser aplicados através da Mediação Escolar, Condominial, Empresarial, Familiar, dentro do âmbito do Poder Judiciário, habilitando servidores, sendo que os estudos nessa especialidade propõem uma consciência ampla, que não se restringe à legalidade, mas ao protagonismo das partes envolvidas, a fim de que juntas, cheguem à sua justiça, ao seu melhor resultado.

Mayra Pollo de Oliveira Silva é advogada, sócia do escritório Pollo, Oliveira e Quiles Sociedade de Advogados em Piracicaba. Pesquisadora integrada do núcleo NUTECA-FHO/Araras. Mediadora Extrajudicial. Pós Graduada em Direito Contratual e Responsabilidade Civil pela UNAR/Araras. Pós graduanda em Mediação e Conciliação. Formação em Comunicação Não Violenta (CNV) e Conceitos Sistêmicos (Instagram: @pollo_mayra).

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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