A queda de braço no governo pelo Orçamento de 2021

Por Leandro Consentino

A Constituição de 1988 consagra em seu texto a obrigação de que o governo federal aprove um orçamento no Congresso Nacional antes do encerramento do ano anterior. Nesse sentido, a aprovação do orçamento no quarto mês desse ano, por si só, já constituiria um grave problema legal. Contudo, para além da data da aprovação, outras questões emergiram em torno da proposta orçamentária, com repercussões de conflitos entre o Executivo e o Legislativo e até mesmo no interior do próprio governo.

O problema central da proposta atual diz respeito ao fato de que parte dos recursos previstos para despesas obrigatórias deste ano – tais como pagamentos de benefícios previdenciários, abono salarial e seguro-desemprego – acabaram por ser remanejados para aumentar a dotação referente a emendas parlamentares. Contudo, diante da compulsoriedade de tais dispêndios, muitos economistas e membros do Ministério da Economia criticaram a manobra, acusando o orçamento aprovado de “contabilidade criativa” ou “peça de ficção”. Além disso, há um entendimento de que esse tipo de manobra pode “furar” o chamado teto de gastos públicos, o que poderia, no limite, implicar o presidente da República em um crime de responsabilidade, passível de abertura de processo de impeachment de seu mandato.

Já no âmbito do Congresso Nacional – sobretudo com os partidos do chamado Centrão – prevalece o entendimento de que apenas alguns ajustes pontuais na proposta resolveriam os impasses e liberariam as emendas parlamentares, sem que haja qualquer tipo de violação às regras contábeis e tampouco o abandono da regra do teto de gastos, um dos principais pilares atuais da responsabilidade fiscal no país. Para os membros do grupo, a simples sanção presidencial não implicaria em qualquer crime de responsabilidade e os problemas poderiam ser resolvidos durante a execução. Nesse sentido, a resolução deste impasse passa a ser um problema tanto técnico como político, envolvendo os diversos atores em torno da questão.

Dessa maneira, o conflito mais flagrante se dá justamente entre o Ministério da Economia, capitaneado pelo ministro Paulo Guedes, e o bloco de parlamentares do Centrão que domina o Congresso Nacional e tem mantido uma relação de proximidade com o presidente Jair Bolsonaro. Apesar de o relator da proposta Marcio Bittar (MDB) e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), declararem que a proposta orçamentária foi construída em conjunto com a equipe econômica do governo, os técnicos do Ministério negam e travam uma queda de braço com os parlamentares.

Diante desse impasse, caso Bolsonaro arbitre em favor de Guedes, pode criar um abalo significativo em suas relações com o Centrão e, especialmente, com sua principal liderança, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). No entanto, caso o presidente acene para o Centrão, há especulações de que tal movimento poderia ter consequências desastrosas para o ambiente econômico, levando, no limite, à saída do ministro Paulo Guedes do governo, justamente em um momento de dificuldades no âmbito da economia.

Com base nos riscos dessa ruptura ante um orçamento “maquiado”, o Tribunal de Contas da União (TCU) já se movimenta para observar, cada vez mais de perto, a aprovação do orçamento. Tais desdobramentos podem comprometer o presidente, tanto do ponto de vista jurídico, como já dissemos, como também político, rememorando o desgaste da ex-presidente Dilma Rousseff, acusada justamente por fraudes fiscais, à época denominadas de “pedaladas fiscais”.

Para evitar tais desgastes, a nova secretária de Governo, Flávia Arruda, tem articulado uma solução de compromisso, uma vez que foi uma das grandes responsáveis pela aprovação do Orçamento da maneira como foi feita, tendo presidido a Comissão Mista de Orçamento que aprovou a peça no Congresso. Nesse sentido, a solução parece passar por um veto parcial do presidente, o que buscaria contemplar tanto o Centrão – que deseja a sanção da proposta como está – como o Ministério da Economia – que desejaria seu veto integral.

O veto parcial do presidente, que buscaria conciliar os interesses tanto da equipe econômica como do Centrão, constituiria a melhor saída para o impasse, sobretudo tendo em mente a necessidade de Bolsonaro de evitar o rompimento tanto com Guedes como com sua base aliada, às vésperas do ano eleitoral crucial para sua reeleição. Com a disputa de 2022 cada vez mais próxima, o presidente precisa equilibrar a sinalização de confiança para o mercado com o atendimento às demandas de seus aliados.


Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente. é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP

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