A polêmica do transporte público (ou da matemática)

Por Ronei Costa Martins Silva

Tramita na Câmara Municipal de Limeira o Projeto de Lei nº 78 de 2021, que versa sobre o sistema de transporte público. Tal propositura tem gerado muita polêmica, com vários reveses na sua votação. A polêmica, felizmente, se irradiou para a sociedade, via meios de comunicação que cumprem, a rigor, sua missão.

Antes, porém, de apresentar minhas interpretações sobre o assunto, quero falar sobre alguns conceitos primários da matemática. Vejamos: se eu lhe convidar para realizar a seguinte operação?

-14 + 6 =?

Qual seria sua resposta? Acaso você, engenhoso leitor, responderia com o numeral ‘20’? Imagino que não! Pressupondo sua capacidade com operações aritméticas simples, estou certo de que você responderia corretamente, apresentando o numeral ‘-8’, não é?

É, mas contrariando as regras que até aqui orientarão as operações matemáticas simples, alguns vereadores insistem que a soma de R$ 14 milhões de despesa, com R$ 6 milhões de receita dá, pasmem, 20 milhões. Pelo menos é isto alguns dizem, em suas entrevistas cotidianas nos meios de comunicação, para justificar seu posicionamento contrário ao Projeto de Lei 78 de 2021.

Encerro a aula de matemática (retomando-a ao final deste artigo), para adentrar no universo do transporte público.

Antes de discorrer diretamente sobre o projeto de lei em debate, devo alertar que minha análise possui um recorte especifico e objetivo. Apenas e tão somente deitei meus olhares sobre a redação da propositura em debate, ignorando a gestão global do transporte público nos últimos anos desta gestão. Esta ressalva é necessária, pois também vi alguns vereadores argumentando que, no passado recente, a gestão municipal empenhou grande volume de recursos para manter o transporte, tendo alguns vereadores, inclusive, acusando ilegalidades nestas operações. Não entrarei neste mérito por uma razão simples: não possuo dados e informações confiáveis para emitir opinião que contribua.

Finalmente ao objeto:

Vejo, no aludido projeto, dois aspectos interessantes, que, aliás, se retroalimentam. O primeiro refere-se ao subsidio ao sistema e o segundo, ao controle do fluxo de caixa.

Para entendermos o subsidio ao sistema, é preciso ter em vista a meta a ser alcançada, qual seja, tornar o transporte público um direito social, tal como é atualmente a saúde pública e a educação pública. Todos sabemos que tanto a saúde, quanto a educação públicas têm um custo que é suportado indiretamente por toda a sociedade, por meio da arrecadação dos mais variados tributos. Ou seja, falar que a educação e a saúde pública são gratuitas é mero eufemismo e não condiz com a realidade. O subsídio ao sistema de transporte público cumpre este exato papel. E é por esta razão que eu defendo que o subsidio ao sistema seja de 100%, com a tarifa zero, gratuita para o usuário.

Sabemos que tramita no Congresso Nacional uma PEC – projeto de emenda à constituição -, de autoria da deputada Luiza Erundina, que pretende este objetivo: tornar o transporte público um direito social. Tal meta garantirá o real direito à cidade para aqueles cuja barreira econômica são verdadeiras fronteiras intransponíveis de acesso à cidade. Mas não é só isso. Indiretamente veremos um tipo de transferência de renda, uma vez que as famílias deixarão de comprometer parte significativa de suas rendas com o transporte, podendo, com esta reserva, utilizar o percentual monetário para outros fins.

Assim, é preciso que consideremos o transporte 100% subsidiado e com tarifa zero.

O segundo aspecto que desejo explicitar é sobre o fluxo de caixa. Considerando que a maioria das prefeituras não possuem estrutura para suportar diretamente o sistema de transporte público, o tipo de gestão mais usual é a concessão de serviço público para a iniciativa privada. Assim, a municipalidade figuraria apelas como fiscal do cumprimento das regras do contrato celebrado entre o município e determinada empresa. Mas este tipo de acordo contratual possui uma zona escura, nebulosa, e, portanto, difícil de ser fiscalizada. Trata-se da operação financeira.

As empresas de transporte detêm o controle absoluto do fluxo de caixa do sistema. E esta condição impõe às prefeituras uma grande dificuldade de aferir a saúde financeira do sistema. Isto porque, em muitos casos, os dados de comercialização de vales transportes e da quantidade de usuários podem ser maquiados pela empresa, visando alterar em seu favor as cláusulas de equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Por esta razão que a implantação do subsídio ao sistema, sem que houvesse absoluto controle do fluxo de caixa, configuraria um aporte de dinheiro público numa espécie de saco sem fundo. Esta foi a razão de debates homéricos que encampei quando frequentei aquela Casa de Leis. Infelizmente, falei ao vento, sendo ignorado pelo prefeito de plantão seus secretários. Por isso vi o projeto de Lei 78 de 2021 com muita esperança.

É preciso, portanto, que haja a combinação indivisível, siamesa, entre a aplicação do subsídio e o controle do fluxo de caixa.

É exatamente disto que se trata o aludido projeto aqui evocado. A partir desta lei, se aprovada, a Prefeitura passará a controlar o fluxo de caixa do sistema. O texto, então, versa sobre a manutenção do subsidio em R$ 14 milhões e a criação de uma rubrica orçamentária, no valor de 6 milhões de reais para acolher a receita oriunda da comercialização de passes de ônibus.

Voltando a nossa aulinha de matemática: é possível somar uma despesa de R$ 14 milhões com uma receita de 6 milhões de reais e obter o resultado de R$ 20 milhões? Para alguns vereadores, sim.

Bom, mas a despeito disto, e sabendo que no mesmo indivíduo, a dificuldade para fazer cálculos matemático pode coabitar com o desejo para o bem comum e com a seriedade republicana, ainda tenho esperança de que, num momento de lucidez, os vereadores compreendam a real importância deste projeto de lei, aprovando-o.

Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós-graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019. Também é pesquisador da máscara do palhaço há 22 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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