Não ao uso de recurso público em campanha eleitoral

Mais uma Reforma Política pela frente e, pelo visto, novamente os mesmo temas voltam ao debate no Congresso Nacional, entre eles: sistema eleitoral, cláusula de barreira, janela partidária e cota de gênero, temas de extrema importância, mas não para o atual momento que atravessamos, senão o do financiamento das campanhas eleitorais, este que deveria ser o principal.

Num cenário de pandemia, em que a crise que se abateu no Brasil tem feito verdadeiro estrago na economia do governo e das famílias, a preocupação do Congresso Nacional, por certo, que deveria ser o fim do financiamento público das campanhas eleitorais, como forma de prevenir o desperdício de recursos que podem ser utilizados no que realmente é necessário, a saúde e educação dos brasileiros, bem como forma de garantir uma maior igualdade entre os candidatos na disputa eleitoral, tendo em vista que a divisão dos recursos públicos pelos partidos não alcança a todos e acaba privilegiando uns em detrimento de outros.

Por certo que é impossível pensar em campanha eleitoral sem recursos financeiros. Hipocrisia falar em eleição mais ou menos baratas, tendo em vista que a propaganda eleitoral tem como único requisito a promoção daqueles que estão na disputa eleitoral e como único objetivo fazer com que essa propaganda alcance todos os eleitores, que são os principais destinatários da campanha, vez que é direito deste ter acesso as opções para escolher em quem votar. O livre direito de escolha, garantido com isonomia é direito fundamental do eleitor e só pode ser garantido se ele tiver acesso a todas as opções, sem restrição de qualquer natureza.

Para conhecimento, em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Ordem dos Advogados do Brasil e, por maioria de votos, decidiu pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial para partidos políticos e campanhas eleitorais, previstos nas Leis 9.096/95 e 9.504/97, muito em razão do que se apurou nos autos dos processos referentes ao Mensalão, encampando a imagem extraída da pressão popular e midiática de que toda corrupção advinha desse modelo de financiamento.

O fato é que, diversamente do que possa parecer, muitos dos votos proferidos no julgamento dessa ADI nº 4.650, pelos Ministros do STF, reconheceram em verdade que o problema não estava no modelo de financiamento por pessoa jurídica, mas, em síntese, na ausência de uma normatização rigorosa e adequada quanto à forma, fiscalização e controle no procedimento de doação pelas empresas, o que, no voto do saudoso Ministro Teori Zavascki ficou devidamente consignada a necessidade de “acréscimo de novas vedações às hipóteses legais previstas no art. 24 da Lei 9.504/97 e no art. 31 da Lei 9.096/95 […]”.

Nesse sentido, a sugestão do voto do Eminente Ministro Teori era no sentido de impedir que a política fosse praticada em benefício de clientes preferenciais da Administração Pública, ou seja, o reconhecimento das “seguintes vedações de contribuições a partidos políticos e a campanhas eleitorais: (I) de pessoas jurídicas ou de suas controladas e coligadas que mantenham contratos onerosos celebrados com a Administração Pública, independentemente de sua forma e objeto; (II) de pessoas jurídicas a partidos (de seus candidatos) diferentes, que competem entre si; e, ainda, (III) vedação a pessoas jurídicas que efetuaram contribuições a partidos ou campanhas, de, desde então e até o término da gestão subsequente, celebrar qualquer contrato oneroso com entidades da Administração Pública”.

Como se vê e é notório, o fim do financiamento empresarial, como definido pelo STF, não resolveu o problema do custo das campanhas eleitoral, bem como não inibiu práticas criminosas de corrupção e caixa 2, além do que, acabou por distorcer o sistema, gerando um desequilíbrio entre os candidatos em disputa, além de utilizar de modo inadequado grande quantidade de recurso público em questão que, diretamente, não atendem aos anseios da população. Especificamente no que tange ao desequilíbrio entre os candidatos, a razão está no fato de que os recursos, quando divididos, não atendem a todas as campanhas de modo eficaz, e, ainda, a decisão sobre essa divisão fica a cargo dos dirigentes partidários, o que acaba redundando em benefício de apenas alguns escolhidos.

Desse modo, é imprescindível que se faça uma análise e um debate acerca do modelo de financiamento atual, em especial diante do cenário de crise que atravessamos, no sentido de, garantindo uma maior igualdade na disputa eleitoral, permitir que os próprios candidatos possam buscar suas formas de financiamento nas pessoas jurídicas, com a implementação das regras de compliance e vedações delineadas pelo Ministro Teori Zavascki em seu voto na ADI 4.650, no sentido de manter uma rigorosa e adequada fiscalização dos doadores e das contas de campanha, especialmente proibindo doações de pessoas jurídicos, subsidiárias, controladas e coligadas que mantenham contratos com a Administração Pública; de empresas diferentes, que competem entre si; bem como proibindo que empresas que efetuaram doações de campanha possam celebrar contrato com a Administração Pública.

Por fim, aproveito para acrescentar, a necessidade de vedação, ainda, de que uma mesma empresa possa doar para mais de um partido político e/ou candidato, que disputa o mesmo cargo, na mesma circunscrição, como forma de garantir maior transparência e moralidade ao sistema, tendo em vista que, além do beneficiário da propaganda, o eleitor, as empresas, numa democracia, também possuem por direito ter os seus interesses, desde que legítimos, defendidos politicamente no Parlamento, e isso passa pelo direito de apoiarem, inclusive financeiramente, os candidatos e partidos mais alinhados com tais interesses.

1 ZAVASCKI, Teori. Financiamento empresarial de partidos políticos: a questão constitucional. In: Sistema político e direito eleitoral brasileiros: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. Coord. João Otávio de Noronha, Richard Pae Kim. São Paulo: Atlas, 2016. p. 755-756

2 Idem.

Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

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