TJ anula lei de Limeira que permitia usuário “doar” água a vizinho em caso de necessidade

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucional lei de Limeira, que autoriza o usuário do sistema público de abastecimento de água e coleta de esgoto no município a abastecer ou fornecer gratuitamente água para terceiros, em caso de necessidade.

A lei, de autoria dos vereadores Waguinho da Santa Luzia (Cidadania) e Nilton Santos (Republicanos), foi aprovada no ano passado e sancionada pelo prefeito Mario Botion (PSD). A Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) moveu ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a presidência da Câmara de Limeira e o prefeito.

A associação apontou vício de iniciativa e violações, como do princípio da reserva da administração, do princípio da separação dos poderes, entre outros. Liminar foi concedida para suspender os efeitos da lei até o julgamento do caso.

A Câmara se manifestou nos autos e afirmou não haver vício de iniciativa porque a norma não disciplina regime de concessão ou permissão de serviço público, tendo natureza de norma de polícia administrativa, e contestou todas as alegações de violação, ressaltando que a a lei não não ofende norma constitucional porque garante apenas o direito do consumidor de dispor gratuitamente, por motivo de solidariedade, de bem de sua propriedade a terceiro em razão de necessidade, sem o risco de sofrer multa.

O prefeito também prestou informações; sustentou que a norma passou por amplo e cuidadoso processo legislativo até sua edição e afirmou que está em consonância com os ditames constitucionais.

A Procuradoria Geral do Estado, apesar de citada, deixou de se manifestar. A Procuradoria Geral de Justiça opinou pela procedência do pedido da associação.

O relator foi o desembargador James Siano, que teve o voto seguido por unanimidade dos julgadores do Órgão Especial. De acordo com ele, a oportunidade concedida ao usuário do sistema de água tratada e esgotamento sanitário de abastecer ou fornecer gratuitamente água para terceiros, em caso de necessidade, autoriza de forma ampla e genérica a transferência de água encanada entre imóveis de particulares como uma espécie de modelação lateral a todo o sistema público municipal de distribuição, o que pode prejudicar a regulação da tarifa e do desenvolvimento da rede de atendimento, principalmente, como ressalta, diante da natureza vaga da locução “em caso de necessidade”.

Para os julgadores, é indevida a consideração de que tal medida não interfere no regime de concessão do serviço público, e portanto no equilíbrio econômico financeiro da contratação, tendo em vista que a permissão de ligações por meio de intermediários, “seguramente, fragiliza as balizas para precificação e estruturação do aludido serviço essencial, a colocar em risco a própria higidez do sistema, caso a alegação de necessidade, que pode advir de inumeráveis razões, torne-se um meio de burla à contratação direta do serviço essencial entre o usuário e a concessionária”.

Os desembargadores consideraram o espírito de solidariedade, que envolveu a edição da lei, mas para eles revela-se discrepante com a natureza da concessão do serviço público admitir a possibilidade de que particulares tenham o poder de decidir sobre o que consideram como situação de necessidade para realização de ligações de água à margem do que dita as relações que envolvem o regime concessionário. O acórdão ainda ressalta que questões pontuais podem ser, eventualmente, resolvidas pela via administrativa ou judicial, “mas não com a força concedida pela lei de generalidade e abstração em detrimento das regras que norteiam a concessão pública, exceto se houvesse mudança no regime de contratação, por iniciativa do Chefe do Executivo Municipal, que abarcasse tal circunstância, com provável previsibilidade tarifária de suas consequências”.

A Câmara e o prefeito podem recorrer do acórdão.

Foto: Pixabay

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