Terminar em pizza, furar o teto e ‘cositas más’

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Em minha primeira viagem a Salvador, na Bahia, fui de casa pensando nas iguarias da culinária baiana que degustaria durante minha estada naquela terra. Pensava no vatapá, no dendê, nos pratos do fruto do mar e outras receitas típicas da primeira capital do Brasil. Não passava pela cachola deste escriba que uma comida com uma origem em outro lugar fizesse tanto sucesso na Bahia.

A primeira refeição que fiz foi sugestão do casal de amigos que me recebeu e hospedou. Disseram eles, vamos comer uma pizza. Não disse nada, mas pensei: “pizza?”. Pensei em moquecas ou outra especialidade da terra, mas massa italiana? Os baianos anfitriões comiam a massa como se fosse a primeira ou a última de suas vidas. Um apetite que se manifestava em elogios a São Paulo, local onde o dono daquele restaurante viveu durante anos e lá aprendeu a fazer pizza.

A massa trazida para o Brasil pelos imigrantes italianos em sua segunda onda de migração chegou primeiro na terra da garoa, onde em 1910, se teve noticia da primeira pizzaria, no bairro Operário do Brás. Antes o alimento já era bem popular nas comunidades da “Velha Senhora”, há muito tempo, nos lares, associações de trabalhadores, festas religiosas e outras. Hoje a melhor pizza italiana é a feita na Paulicéia desvairada, dizem os Napolitanos, especialistas neste quesito.

Mas a delícia da pizza, que com o tempo foi sendo recheada com vários outros ingredientes, da carne bovina, passando até para a vegana e a doce, também foi responsável por uma expressão muito comum no Brasil. Tudo vai terminar em pizza. Citamos três situações em que esta expressão pode ser utilizada: “Depois de tanta discussão, tudo terminou em pizza”; “É mais um escândalo político que acabou em pizza”; e “Essa briga entre eles vai terminar em pizza, como sempre”. A expressão está na boca do povo em especial quando a cena em que se introduz a frase é a política. É muito comum o povo não acreditar em ações vindas de políticos. O descrédito com a classe é enorme, e tem suas razões de ser.

O modelo de representação política não permite a participação popular, empodera o detentor de mandato eletivo, que faz o que bem entende de suas prerrogativas. A corrupção nos meios governamentais envolvendo políticos afasta ainda mais a esperança do povo de acreditar nos políticos, mesmo que votem no transgressor de leis, como fizeram com Jair. Terceiro, o fala, mas não faz, é comum na política, não só pelos limites burocráticos dados aos eleitos, em especial as oposições, mas também ao populismo e os engodos eleitorais, como o tal furo no teto de gastos, para o auxílio ou Bolsa Família, visando palanque e não o combate à fome e miséria.

Aliás, uma curiosidade: esta expressão tudo vai terminar ou terminou em pizza teve origem no futebol, exatamente no Palmeiras, de São Paulo, time da comunidade italiana.

Conta a história que, na década de 60, o Palmeiras vivia uma grande crise, com brigas e conflitos internos em sua diretoria. Após varias conversas (discussões), chegou em um acordo que foi comemorado, adivinhem como e onde? Em uma pizzaria, onde 18 redondas gigantes foram colocadas à mesa para comemorar o acordo. No dia seguinte, os jornais da cidade publicaram que a briga palmeirense tinha terminado em pizza.

Bom, pode ser lenda que tudo tenha começado por inspiração de um time de futebol. Aliás, o imaginário popular gosta de fazer analogias, parábolas e crônicas, utilizando-se do esporte bretão para tanto. Esta semana a CPI da Covid-19, após seis meses de trabalho, apresentou seu relatório final, aprovado por seis votos a quatro dos senadores integrantes da comissão. O resultado aponta 80 indiciados, sendo que o presidente Bolsonaro foi enquadrado em nove crimes, entre eles o contra a humanidade.

Porém, não se colocou no texto o caráter genocida e premeditado do miliciano, dourando a pílula, frustrando grande parcela da sociedade. O outro ponto esquecido no relatório e que seria relevante é exatamente o indiciamento do ex-Posto Ipiranga. O ministro da Economia, que agora defende o furo no teto de gastos, foi fiador do fim do Auxílio Emergencial no fim do ano passado, no momento mais critico da pandemia e depois para remendar criou uma emenda que foi pior que o soneto, o teto de R$ 150.

Foi neste período que se dobrou o número de contaminados e de mortos, e o governo acelerou sua campanha estúpida de negacionismo e distribuição do kit sem eficácia, que fez Prefeituras, como a de Limeira, gastarem mais de um milhão em medicamentos comprovadamente que não funcionam para o Covid e que são suspeitos de acelerarem mortes. Mas, apesar destes pontos cruciais estarem fora do texto, ainda é possível criminalizar Bolsonaro e seu governo.

Há alguns caminhos: abertura do Impeachment, apresentação de denúncia do procurador-geral no Supremo Tribunal Federal (STF), ambas que dependem de duas figuras: Artur Lira, presidente da Câmara Dos Deputados, e Augusto Aras, da PGR, ambos aliados do governo. Para não depender destes personagens, é preciso mobilização nas ruas. Se não a expressão entrará para a história, terminou em pizza e os responsáveis pelo maior genocídio do País saíram ilesos.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural

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