Política e religião devem se misturar? Epílogo

por João Geraldo Lopes Gonçalves

O § 2º do art. 11 da Constituição Federal proclama que “é vedado aos Estados, como à União, estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. O Brasil é um País em que sua legislação garante que suas autoridades e instituições públicas pratiquem a laicidade como princípio de relacionamento. Não pode um Presidente da República decretar que o Brasil professará uma só crença religiosa, ou católica, ou evangélica, ou afro, e por aí vai.

Nossa Constituição garante que o Estado, ao mesmo tempo separado de qualquer religião, deva estabelecer uma relação de convivência pacifica, sem proibições de organização e funcionamento de cultos.

A liberdade religiosa existe no Brasil Republicano, mesmo que, após a colônia e os dois impérios, houve tentativas de identificar o Estado com determinas seitas. Mas durante décadas, mesmo nas ditaduras e governos autoritários, ocorreram fechamento de templos e perseguições às religiões.

Foi neste triste governo de Bolsonaro que o debate sobre dependência do país de uma fé voltou à tona.

Apesar de se dizer católico, Bolsonaro se tornou evangélico ao ser batizado em algumas Igrejas e ele e seu séquito saíram proferindo serem cristãos e condenando demais crenças, em especial as de matriz africana, como demonizadas e de ofensa a Deus.

Vai ser Bolsonaro, como já dissemos neste ensaio, que recolocou a religião como slogan de seu governo, bem como de suas campanhas eleitorais. Da mesma forma que fez com os símbolos nacionais, o bolsonarismo se apropria do Cristianismo como trincheira para uma Guerra Santa que vem tentando construir.

Na prática, Bolsonaro tenta vilipendiar a Constituição sobre o Estado Laico, empurrando narrativas e práticas que, sem mudar a Carta Magna, a rasgam.

A politização de nossos templos não nasceu com Jair e sua turma. Não foi Silas Malafaia, Bispo Macedo e outros que trouxeram os meandros da política para missas e cultos. Desde que os europeus aqui chegaram, esta relação existe.

Primeiro, como instrumento do Estado e muitas vezes o próprio Estado, como o foram de Cabral ao segundo e último império. Depois, em especial a partir da década de 80 do século passado e com enorme força nos 90, com a participação explícita nos assuntos terrenos, entre eles a política.

O estritamente cuidado com o espirito e a alma vai cada vez mais diminuindo seu discurso e o fiel passa a compreender a necessidade de participar do aqui e agora, pois é vontade de Deus. Se vai ser a Teologia da Libertação, que inicia o debate de que o Reino de Deus começa aqui na terra, a Teologia da Prosperidade também vai seguir esta linha, mas com objetivos distintos, contraditórios e opostos.

Os dois grupos elegem a política como cenário de atuação para a busca de seus objetivos, porém, com métodos diferentes de orientação aos fiéis.

A Teologia da Prosperidade interpreta os livros sagrados como luz maior para reger a sociedade. Deus acima de tudo, diz o lema bolsonarista, e assim a Bíblia passa a ser uma espécie de Constituição, lei maior para este agrupamento. Os eleitos em cargos públicos, muitos se intitulando como Bancada da Bíblia, deixam claro que representam sua seita ou crença religiosa. Não são instrumentos do País e saem de templos.

Há depoimentos e relatos de parlamentares que votam e atuam no Parlamento, segundo eles, de acordo com “as orientações” de seu clérigo, pastor ou padre.

As reivindicações e bandeiras seguem uma linha tradicional, onde textos bíblicos são usados ao pé da letra, sem investigações ou interpretações diferenciadas sobre o que está escrito. Daí surge o discurso conservador e muitas vezes excludente.

Do outro lado, a Teologia das Pastorais Populares e da Unidade religiosa passou, durante o Papado de João Paulo Segundo, por ataques da Cúria Romana e desmantelamento de uma doutrina de Libertação, a partir do engajamento social e político.

A Teologia da Libertação discursa ser necessário que os seres humanos deixem de ser objeto e se tornem sujeitos e protagonistas de sua História, que deve ser feita de forma coletiva, solidária, fraterna com igualdade e respeito a diversidade. A Hierarquia da Igreja, na TL, vem a ser um apoio, e não instância maior de poder.

Jeitos antagônicos de Teologia, os grupos convergem na atuação política e nos últimos tempos ela tem se intensificado, onde púlpitos e altares têm se transformado em palanques políticos.

No Brasil, estamos já há um bom tempo acompanhando o crescimento de Igrejas Neopentecostais e da Teologia da Prosperidade. Se por um lado a diversidade religiosa é importante e salutar, por outro lado o entendimento de uma sociedade onde interpretações dos livros sagrados levam a pecados, como discriminação à comunidade LGBTQ+, uma combinação perigosa e mortal que é a Bíblia e Armas, a demonização de quem pensa diferente, nos faz ficar alarmados. A política é utilizada para garantir posicionamentos, no mínimo, conservadores e que excluem pessoas.

Em Limeira, uma estranha lei municipal foi aprovada esta semana. A proibição de banheiros unissex nos estabelecimentos públicos e privados. A lei é estranha, pois vai se tornar inócua, sem efeito prático, já que a maioria dos mictórios espalhados pela cidade já não são unissex há décadas.

Infelizmente, a militância politica tem sendo utilizada contra o Estado de Direito, bem como para discriminar um universo de seres humanos que optaram por serem diferentes do convencional.

Para nós, o exercício da política é ao mesmo tempo um dever, mas especialmente um direito. Todo e qualquer cidadão deveria se engajar politicamente. Pois é a política que define os rumos da população. Defendemos, sim, que igrejas em particular se manifestem e participem da política, inclusive tendo candidatos e fazendo campanhas para ele. O que não se pode admitir é tirar o direito do contraditório, da oposição a determinados candidatos e políticos no interior da crença, bem como defender políticas que atentam contra o Estado Democrático de Direito.

Esta semana, um grupo de bolsonaristas acampados na frente de quartéis em Brasília, em que fazer oração, cantar hinos religiosos e ler a bíblia fazem parte de seus rituais, tacou fogo em carros por não concordar com a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

E para concluir, quero deixar claro que sou cristão, nasci na fé católica e acredito que Deus Pai é Amor, acolhe a todos dependendo de sua cor, gênero e pensamento.

A todas e a todos, um ótimo final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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