O mundo dos homens

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Às vezes, ou quase sempre, as Artes são, para nós, uma forma de pensar a vida, analisar e buscar soluções e explicações para nossos dilemas. No livro “A Ilha”, de Fernando de Morais, o então presidente de Cuba, Fidel Castro, afirma ao jornalista brasileiro que naquele momento, meados dos anos 70 do século passado, o maior problema de seu País não era o boicote econômico imposto pelos americanos.

Era o machismo que inundava corações e mentes dos machos cubanos, dificultando em muito a organização da sociedade, onde mulheres não tinham funções, além de, no máximo, ter um emprego fora de casa.

Outra inspiração é a obra do genial cineasta italiano, Federico Fellini. Trata-se da adaptação de texto teatral Satyricon, de 1969. No original, escrito por Petronio, no século I depois de Cristo, o autor narra uma Roma do Império, imoral e descaradamente contra os famigerados bons costumes.

Federico Felini vai apanhar os fatos e transformar a história em um lindo romance entre dois homens. O cineasta insere o roteiro em uma atmosfera da década de 60, psicodélica e lisérgica, colocando em pauta um assunto tabu na época em todo mundo: a homossexualidade.

A Roma antiga daquele século mantinha uma tradição que vinha dos primórdios da Grécia. Lá era comum a relação entre homens. Aliás, a sociedade grega como um todo aprovava esta prática, não por respeito a diversidade, mas como ponto crucial de poder nas mãos dos homens.

A Grécia era uma nação que vivia das guerras e necessitava de mão de obra masculina para as suas colunas de combate. Priorizar relações entre homens era status junto ao poder, era crescimento no conceito de meritocracia grega. Um homem e um cavalo valiam mais que uma mulher.

Em “Satyricon”, há poucas mulheres no elenco e as que aparecem não têm importância para a trama. Na Grécia, o papel das mulheres é cuidar da casa e reproduzir filhos, de preferência machinhos, para serem soldados.

Na canção “Mulheres de Atenas”, Chico Buarque de Holanda nos brinda com uma letra que define com exatidão o papel feminino naquela sociedade. A discriminação e a misoginia são armas de poder masculino, até os dias de hoje. Nos anos de um miliciano no poder, os defensores dos machos pelos machos saíram do armário.

Ataques físicos e ideológicos eram feitos de cima para baixo, tentando recolocar as mulheres em uma condição submissa, sem direitos e sujeita a toda sorte de violência. Mesmo com o bolsonarismo fora do governo, seu poder de destruição foi avassalador. Teremos um tempo enorme, para reorganizar o Brasil e voltarmos a ser um País que respeita as diferenças e aclama a justiça social.

Meritocracia x Desigualdades

Nos anos 90, do século XX, um debate veio à tona com muita força: a meritocracia.

Esta expressão, conhecida por muitos poucos na época, justificava um projeto de poder onde os grandes engoliam os pequenos, em especial na economia que se apresentava com esta lógica: tem méritos, tem lugar no mercado.

Já naquele momento, nossa defesa era de que, enquanto não houvesse oportunidades iguais de direitos, que a força do vil metal não fosse parâmetro para ter um lugar ao sol, a meritocracia não passava de um discurso vazio.

Em um País de desigualdades das mais cruéis em todas as áreas, primeiro é preciso promover a justiça social, devolver direitos e criar outros que celebrem a inclusão de todos.

Neste sentido, dois episódios têm consumido nossos neurônios ultimamente. O primeiro diz respeito à substituta ou substituto da ministra do STF, Rosa Weber, que se aposenta em breve. De novo, o discurso do mérito aparece, mais como disfarce para manter o status quo, de homens brancos e bem-sucedidos.

E o que nos deixa ainda mais preocupados é que esta pauta tem mobilizado os progressistas de uma maneira negativa e violenta. Setores dos movimentos sociais, sobretudo, mulheres e negros, têm pregado ser a hora de ter representatividade de diversidade e gênero na corte suprema.

Outros setores, inclusive do governo Lula, propagam a velha dicotomia da meritocracia. Esta segunda tese joga no limbo um País onde, em menos de 90 anos, as mulheres não votavam, eram por lei submetidas as vontades do marido. Joga por terra conquistas importantes na sociedade, não como concessão de inclusão, mas de lutas das mulheres. A Suprema Corte, em toda a sua História, teve apenas três mulheres em sua composição, sendo nenhuma delas Negra.

O outro episódio ocorreu esta semana na Câmara dos Deputados. Como acontece em todo ano pré-eleitoral, congressistas se apressam para executar a colcha de retalhos que é nossa legislação acerca do pleito.

Alguns podem chamar de oportunismo de conveniência, para benefício de grupos e partidários, outros que sempre é necessário realizar ajustes. Nós sempre achamos que temas como esse deveriam estar sendo discutidos no interior da sociedade como um todo, com transparência e tranquilidade.

Os deputados federais votaram uma minirreforma já para as eleições do ano que vem nos municípios brasileiros. Mesmo com a resistência das bancadas femininas e de igualdade racial, as cotas de mulheres e negros foram flexibilizadas nas chapas.

Além disto, se pretendia anistiar partidos que não cumpriam as cotas e nem os recursos do fundo eleitoral destinados a estes setores. Por enquanto, tais descalabros foram retirados do texto base. Mas a guerra não terminou ainda. Destaques iam ser votados antes de ir pro Senado Federal, para apreciação do texto e votar, para depois ir para sanção do presidente Lula. O Planalto tem até o dia 6 de outubro para sanção.

E para fechar este assunto, da esquerda a extrema direita vieram os votos para aprovar a minirreforma que tem outros pontos, que ainda falaremos deles.

Pensamentos

No Brasil, homem protege sua espécie.

A misoginia saiu do armário e contamina ações criminais.

Se deixar, voltamos ao Código Civil do século passado.

Homens têm fissura pela espécie branca e enricada.

E se homens engravidassem? Seriam mais humanos?

O medo dos homens, em relação às mulheres é perder o poder.

Bom final de semana a todas e a todos.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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