O jogo das eleições da Mesa do Congresso Nacional

Por Leandro Consentino

O ano legislativo no Brasil inicia-se hoje, dia 1º de fevereiro, e terá, como primeiro evento no Congresso Nacional, a eleição das mesas diretoras que comandarão os trabalhos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, cuja composição será fundamental para compreender a dinâmica do governo e da oposição nos próximos anos. Diante de um pleito que é secreto nas duas casas, também é interessante verificar a coesão partidária e dos blocos de apoio ao governo e à oposição.

Como a configuração das duas casas do Congresso sofreu algumas alterações com as eleições de 2022, a posse desses novos deputados federais e senadores será crucial para compreender o peso de cada um dos partidos e federações partidárias, a disciplina de cada um dos líderes (se os parlamentares obedecem ou não às ordens de suas lideranças) e, principalmente, o tamanho efetivo da coalizão montada pelo governo para sustentar seus candidatos, acordos e propostas.

No caso da Câmara dos Deputados, Arthur Lira parece ter habilmente costurado sua recondução, tanto com a direita a quem foi leal durante o governo Bolsonaro como com a esquerda que, nos últimos dias, tornou-se importante aliada na aprovação de medidas como a PEC da Transição. Além de PT e PL, PP, PSD, MDB, PDT, PSDB, Cidadania, Solidariedade, Mais Brasil (fusão PTB e Patriota), Pros, PCdoB, PV, PSB e União Brasil também declararam apoio a Lira e não há qualquer concorrente de peso que se apresentou para lhe tomar o comando da casa. Caso o apoio do Partido dos Trabalhadores à eleição de Lira se confirme, é a primeira vez que o partido abrirá mão de lançar um candidato oriundo de seus quadros (ou de partidos aliados na esquerda), durante uma administração petista.

Trata-se de um aprendizado do petismo com relação ao processo de eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Casa em 2015 que acabou por culminar com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, é importante sinalizar que o apoio a Lira também comporta riscos importantes, dado que se trata de uma liderança do chamado Centrão, mais conservador e menos disposto a colaborar com o governo sem renunciar ao fisiologismo.

Inicialmente, a moeda de troca de Lira para com o PT reside em cargos na própria mesa diretora (vice-presidências e secretarias) e também o comando de comissões relevantes na casa como a de Constituição e Justiça e a do Orçamento. Contudo, como o mandato do presidente da casa é de dois anos, certamente haverá tratativas fundamentais durante votações de pautas relevantes para o governo Lula, sobretudo na área econômica.

Já a presidência do Senado Federal comporta uma disputa mais acirrada que promete apresentar o primeiro embate importante entre o governo Lula e a oposição de direita capitaneada pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Neste embate, figuram dois candidatos: o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) e o ex-ministro do Desenvolvimento Regional de Bolsonaro, Rogério Marinho (PL). Além deles, corre por fora o senador Eduardo Girão (PODEMOS), que não deve sustentar sua candidatura independente até o final.

Enquanto Pacheco é o candidato governista apoiado pelo PT e por forças mais ao centro, como o seu próprio PSD, o MDB e o União Brasil, Marinho selou o apoio dos três principais partidos de direita na casa: o próprio PL, o Republicanos e o Progressistas. Trata-se de uma disputa acirrada, mas há uma variável importante que pesa a favor de Pacheco neste momento: a distribuição de cargos na mesa e nas comissões da casa.

Como Pacheco ainda é favorito, a derrota do PL poderia levar a uma situação inusitada em que o principal partido de oposição – e seus aliados na direita – ficassem de fora de toda a mesa diretora e das presidências das comissões relevantes. Nesse sentido, Marinho tem sido pressionado a deixar a disputa, o que nega terminantemente que fará, levando as eleições até o final e contando com dissidentes.

Além disso, é interessante notar que o PT, apesar de deter a presidência da República, tampouco lançará candidatura própria no âmbito do Senado, precisando sempre compor com um aliado para sustentar a governabilidade e blindar o governo de eventuais investidas da numerosa oposição desta casa, sobre a qual repousa prerrogativas importantes como a aprovação de determinados aliados para funções específicas até o julgamento final de um eventual impedimento.

Os presidentes eleitos – ou reconduzidos, como hoje parece mais provável – terão o comando das casas legislativas até 2025, cabendo lembrar que isso significa que, salvo motivos de força maior, estarão em suas posições durante o processo eleitoral de 2024, que no Brasil se restringe ao âmbito municipal. Dessa maneira, é provável que seus respectivos partidos podem se beneficiar neste pleito e seguir o crescimento que vêm experimentando nos últimos anos. 

Também se faz mister frisar que as relações desses presidentes com o Executivo devem sofrer uma alteração no padrão do governo anterior, dado o fim das emendas do relator, decretado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual colocou fim no chamado “orçamento secreto”. Tal mudança, contudo, suscita o questionamento de como se dará tal relacionamento, sobretudo pelos escândalos prévios do PT nesta seara como o Mensalão e o Petrolão.

Por fim, é preciso ter presente que Arthur Lira pode ter problemas também com o Poder Judiciário, dado que há uma denúncia de corrupção contra si tramitando no Supremo Tribunal Federal, atualmente nas mãos de Dias Toffoli. Tanto uma pressão orgânica, como alguma motivada por pressão do Executivo, podem fazer este processo avançar, debilitando o presidente da Câmara e com consequências imprevisíveis.

Outros embates que podem surgir entre Lira e o STF dizem respeito a sua atuação conivente com alguns escândalos do governo Bolsonaro, o qual deve ser foco de importante investida judicial, convertendo o próprio presidente e alguns aliados próximos em réus e levando-os, no limite, à inelegibilidade e até mesmo à prisão. Nesse sentido, Lira deve permanecer dócil aos interesses do novo governo desde que isso redunde em algum tipo de blindagem e proteção a seus interesses.

O governo Lula terá importantes desafios, sobretudo nestes primeiros anos, buscando pacificar a relação com os militares, acenar para a metade do eleitorado que o rejeitou, reposicionar o país no âmbito externo e restaurar uma economia com indicadores bastante debilitados. Para isso, o alinhamento com os presidentes da Câmara e do Senado é fundamental, tanto para avançar suas pautas, dado o poder de ambos em colocar as propostas na ordem do dia, como na blindagem do próprio presidente e de seus aliados mais próximos.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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