O caso do cão Titan e a nova “Lei Sansão”

Por Edmar Silva

Em meados do ano de 2019, a sociedade limeirense ficou chocada com o crime envolvendo o cão Titan. Trata-se de caso em que o próprio dono ateou fogo no seu animal enquanto ele ainda estava vivo, levando-o à morte.

A frieza do autor do delito e a crueldade empregada chamaram a atenção e causaram revolta não só nos mais ferrenhos defensores da causa animal, mas também nos demais moradores da cidade.

A comoção popular se deu principalmente pela ausência de prisão do autor da infração penal, causando sentimento social de injustiça. Isso porque, na época dos fatos, a situação se enquadrava no art. 32, caput, e §2º, da Lei nº 9.605/1998, que prevê o crime de maus-tratos contra animais, cuja pena era de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, aumentada de um 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) em razão de ter ocorrido a morte do animal.

Tratava-se, assim, de crime de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal, o famoso “Pequenas Causas”, regido pela Lei nº 9.099/1995, que tem como principal objetivo evitar a aplicação de pena privativa de liberdade (art. 62), impedindo, inclusive, a prisão em flagrante (art. 69, parágrafo único).

Ocorre que no ano de 2020 sobreveio a Lei Federal nº 14.064/2020 (“Lei Sansão”), que acrescentou um parágrafo ao crime de maus-tratos contra animais e passou a prever pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, além de multa e proibição de guarda, quando a infração penal envolver cão ou gato.

Embora essa lei nova e mais rigorosa não possa retroagir no tempo para ser aplicada ao caso do cão Titan (art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal), ela serviu de alento para aqueles que desejam mais rigor nos delitos envolvendo animais, sobretudo os domesticáveis. Criou-se uma esperança de punição mais efetiva para as pessoas que cometerem tais crimes.

E com razão, pois, diante da pena mais severa prevista na nova lei, não se trata mais de crime de menor potencial ofensivo, saindo da competência do Juizado Especial Criminal (“Pequenas Causas”), não sendo possível transação penal ou suspensão condicional do processo, haverá possibilidade de prisão em flagrante, com eventual fiança devendo ser arbitrada tão somente pelo juiz e não na delegacia (art. 322 do Código de Processo Penal – CPP), e poderá até ser decretada a prisão preventiva (provisória), dependendo das circunstâncias do caso concreto e das características pessoais do autor do crime (artigos 311, 312 e 313, incisos I, II e III, todos do CPP).

Contudo, ao proferir a sentença no final do processo criminal, na hipótese de o réu ser primário e não possuir maus antecedentes, ainda remanesce a possibilidade de o juiz substituir a pena privativa de liberdade (reclusão) por restritivas de direitos (art. 44 do Código Penal), como é o caso, por exemplo, da prestação de serviços comunitários.

Além do mais, nas mesmas condições, ou seja, em caso de réu primário e sem antecedentes, o regime de cumprimento da pena poderá ser o aberto (art. 33, §2º, alínea “c”, do Código Penal), que se trata do regime mais brando previsto pela legislação atual e na prática significa ausência de prisão.

Sobre esse tema, portanto, é possível concluir que houve significativo avanço legislativo na esfera criminal, mas raras serão as vezes em que o autor será condenado em definitivo ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade.

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público de São Paulo. Formado em Direito, aprovado no exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

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