Mulher é informada na hora do parto que tem HIV, mas foi engano; Justiça decide sobre dano moral

Apesar de ter feito o pré-natal adequado e nada de errado ter sido encontrado nos exames, uma mulher, após horas em trabalho de parto, com fortes dores e contrações, como relata em ação judicial, foi informada que o teste de HIV foi positivo e começaria naquele momento a tomar remédios, enquanto dava à luz. A notícia foi dada em frente ao marido e, de acordo com ela, no momento do parto sua fidelidade conjugal foi questionada, assim como questionou a do companheiro. Era a hora do parto. O abalo diante das circunstâncias configurou dano moral? O Judiciário sentenciou no último dia 22/12.

O caso aconteceu em Botucatu (SP), em 2021. A mulher deu entrada na maternidade após o rompimento da bolsa. Ela informa que os questionamentos aconteceram num momento de grande expectativa para a chegada do filho. O casal tinha relacionamento sólido e, como afirma, nunca usou qualquer tipo de droga ou teria passado por procedimento que pudesse ter contraído o vírus.

Após o nascimento, a mulher foi privada de qualquer contato físico com seu primogênito, não podendo tê-lo em seus braços, amamentá-lo ou fazer nenhum registro fotográfico do tão sonhado primeiro contato de mãe e filho.

Na ação, ela aponta que o diagnóstico de soropositividade se deu única e exclusivamente com o teste rápido, sem contraprova. Ela teve de tomar coquetel de AZT e seu filho recém-nascido também tomou a medicação por 5 dias.

Dois dias após o nascimento foi colhido sangue para novos exames e o resultado saiu depois de dois dias. O resultado: a mulher não era HIV positiva.

Para contextualizar o dano moral pedido na ação, ela conta que não pôde oferecer o peito ao filho, o que levou à perda deste contato e, de acordo com ela, a criança não aceitou a amamentação posteriormente. Por conta do estresse, a mulher diz que deixou de produzir leite e passou a comprar leite especial.

A maternidade contestou. Afirma que cumpriu as boas práticas de neonatologia e as orientações do médico especialista no vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV), o qual segue as orientações do Ministério da Saúde. Contou que a criança nasceu de parto normal em gestação de alto risco (parto em gestante com bolsa rota), motivo pelo qual se tratava de recém-nascido com grande risco de contrair infecções, o que demandou maior cautela pela equipe médica e necessitou permanecer na Unidade de Cuidados Especiais até o momento em que a equipe médica tivesse certeza de que o bebê não desenvolveria processo infeccioso grave.

A instituição afirmou que o recém-nascido não pôde ser amamentado, de imediato, em decorrência de dúvida técnica, fundamentada na presença do vírus no sangue, que poderia passar para o leite contaminar a criança. Defendeu que o exame esclarecedor ficou pronto em apenas quatro dias após o parto, o qual constatou que a parte autora não era portadora do vírus HIV, razão pela qual foi imediatamente liberada a amamentação.

O caso foi julgado pela juíza Tainá Guimarães Ezequiel, da 1ª Vara Cível de Botucatu, que fundamentou também com orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a responsabilidade civil de entidades hospitalares e clínicas e, entre os itens, está o “[iii] quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta [artigos 932 e 933 do Código Civil], sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova [artigo 6º, inciso VIII, do CDC] – [REsp 1.145.728/MG, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28.06.2011, DJe de 08.09.2011]”. Para a juíza, é o caso.

“No caso dos autos, realizado o teste rápido no momento do parto, houve constatação da doença e, nesta toada, imediatamente, diante de sua gravidade, iniciou-se o tratamento médico tanto na autora quanto no recém-nascido. De fato, verifica-se dos autos que a equipe médica realizou, na autora, três testes rápidos, sendo que dois deles apresentaram com resultados positivos. É verdade que o bem elaborado laudo pericial esclareceu sobre a possibilidade de ocorrência de falso negativo e a necessidade de realização de exame de contraprova. Há, assim, evidente falha no serviço, ou erro de diagnóstico, que decorre não propriamente do falso positivo do exame, nem no tratamento profilático, mas da postura médica adotada, posto que até mesmo pelo risco de ocorrência de falso positivo, a confirmação do diagnóstico da enfermidade dependia de exame complementar, o qual apenas foi realizado dias depois”, diz trecho da sentença.

A magistrada lembra do pré-natal sem intercorrências, “razão pela qual a hipótese de falso positivo deveria ter sido prontamente averiguada pela equipe médica, com urgência, sendo que o resultado apenas foi obtido quatro dias após o parto”. Foi configurada a responsabilidade da equipe pela falha durante o atendimento.

Para a juíza, é inequívoca a ocorrência de danos morais. “É certo que o erro de diagnóstico certamente enseja inúmeros transtornos ao paciente, tanto no âmbito familiar, como abalo psicológico e intensa angústia, notadamente pela preocupação natural com o desenvolvimento e a saúde do filho recém-nascido. Além disso, razoável presumir que o
diagnóstico prematuro ocasionou problemas nas relações pessoais da paciente. Ademais, como consequência, foi ministrado tratamento desnecessário justamente por não ter a equipe médica realizado o teste confirmatório com extrema urgência”.

A indenização por danos morais foi fixada em R$ 20 mil, valor a ser corrigido monetariamente. Cabe recurso.

Foto: Freepik

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