Lei da Impunidade Administrativa

Por Edmar Silva

Desde o ano de 1988, com o advento da atual Constituição Federal (CF), existem princípios que devem nortear toda conduta da Administração Pública. Nesse sentido, o art. 37, caput, da CF, prevê a obediência de qualquer dos Poderes aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em complemento ao texto constitucional e para efetivá-lo, foi editada a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, chamada de Lei da Improbidade Administrativa.

Desde então, o mencionado Diploma Legal tem servido como uma ferramenta eficaz de combate aos atos de improbidade, punindo os gestores públicos desonestos com a suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário. Além disso, a Lei possui peculiaridades que auxiliam no efetivo combate à corrupção.

No entanto, há mudanças visadas pelo Congresso Nacional, prestes a ocorrer, que alteram a atual Lei de Improbidade, desnaturando-a (Projeto de Lei 10887/18 e texto substitutivo).

Destaca-se, dentre as almejadas alterações legislativas, a que exclui de punição o agente público que pratica ato capaz de ofender os princípios reguladores da Administração Pública. Desse modo, a mera ofensa aos princípios, sem enriquecimento ilícito do agente público ou prejuízo ao erário, não será mais considerada ato de improbidade administrativa.

Exemplificando, uma tortura cometida por policial, a utilização de veículo oficial para fins particulares, o nepotismo e até mesmo a conduta de “furar fila” da vacina poderão não mais configurar atos de improbidade administrativa diante da legislação que se pretende aprovar.

Além disso, quanto ao tempo das penalidades, o Projeto de Lei em discussão reduz para 4 (quatro) anos apenas a duração mínima da suspensão dos direitos políticos de pessoa condenada por ato de improbidade administrativa, o que pode facilitar a reeleição de agentes ímprobos.

Pretende-se, ainda, que a data da prática do ato ímprobo seja considerada o marco inicial para a prescrição da ação judicial que tem por escopo a punição da conduta administrativa ilícita.

Ora, não raras vezes, a irregularidade é cometida por administrador público que permanece vários anos no cargo para o qual foi eleito, período em que dificilmente o ilícito chegará ao conhecimento do Ministério Público, de modo que essa desejada alteração legislativa se trata de mais um empecilho para a descoberta e punição do autor do ato de improbidade.

Se não bastasse, o Projeto de Lei ainda abranda punição para as pessoas jurídicas envolvidas e utilizadas para ilícitos administrativos, pois, em regra, mesmo se for condenada por ato de improbidade em conluio com administrador público municipal, por exemplo, ela ainda poderá celebrar normalmente outros contratos administrativos com os demais entes da federação (Estados, União), o que atualmente não acontece.

Pode-se dizer, portanto, que, da forma como está, esse Projeto de Lei é um verdadeiro retrocesso no combate à corrupção e por isso a sociedade deve se mobilizar para evitar sua aprovação. E uma das formas de demonstrar esse inconformismo é aderir à campanha “Juntos Contra o PL da Impunidade” realizada pelo Ministério Público de São Paulo nas redes sociais (#PLdaImpunidadeNÃO). Participe!

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Formado em Direito, aprovado pelo exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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