A juíza Ana Claudia Madeira de Oliveira, da 1ª Vara Criminal de Piracicaba, julgou no mês passado a ação penal contra D.V.N. pelo crime de discriminação de raça. Em outubro de 2019, durante uma performance drag queen no Engenho Central, D. usou traje do “Ku Klux Klan”, grupo supremacista branco considerado terrorista. O caso teve repercussão nacional.

Consta nos autos que o evento foi organizado pelo Centro de Apoio e Solidariedade à Vida (CASVI) com os temas “Halloween” e “The Walking Drag”, tendo D. como convidado para performar durante a apresentação. Porém, usou como fantasia o traje usado pelos membros “Ku Klux Klan” e, posteriormente, imagens começaram a circular nas redes sociais e repercutiu na imprensa como eventual prática de discriminação racial.

O Ministério Público (MP) chegou a anexar na ação reportagens, notas de repúdios de entidades e conteúdo postado em redes sociais. D., após a repercussão, foi a público e fez uma retratação. A denúncia foi acolhida, mas, nas alegações finais, a própria promotoria sugeriu a improcedência da ação, como solicitado pela Defensoria Pública, que fez a defesa.

Em juízo, D. afirmou que o alvo de sua performance era criticar falsos profetas e o governo, bem como havia uma contextualização. “Não tinha conhecimento até então a respeito do traje, sempre via em filmes de terror e não sabia que era ligado a ‘Ku Klux Klan’ e que se soubesse jamais usaria, que não jogaria três anos de carreira que lutou para conquistar”, está nos autos.

Citou, também, que faz parte das minorias, que fez duas retratações e “não teve e nunca teria nenhuma intenção de atacar ninguém ou fazer nenhum tipo de tema racista ou apologia a qualquer tipo de preconceito, ainda mais o racismo”, completou. Para D., a situação pode ter sido tirada de contexto por outras drags, seja por rivalidade ou vingança.

Outras testemunhas, inclusive o organizador do evento, confirmaram a ausência de dolo por parte de D.. Uma delas descreveu que a performance se deu para combater o racismo e que, depois da apresentação, D. tira a fantasia e a destrói. “Considerando que não há cópia integral da performance do artista, resta-nos apenas analisar as versões colhidas em juízo, sob o crivo do contraditório. Ou seja, ante a escassez dos vídeos do evento, a única prova que se colheu nos autos foi a oral. E neste aspecto, as testemunhas foram uníssonas, claras e objetivas em negar o dolo, a intenção de praticar qualquer ato discriminatório pelo acusado. […] O delito previsto exige a presença do elemento subjetivo do tipo para a sua configuração, que é a vontade livre e consciente de discriminar. Não se nega que a prática do racismo, muitas vezes, é insidiosa, no entanto, ainda assim seria preciso que restasse comprovada a sua prática, sob pena subverter o princípio da presunção de inocência que deve nortear o processo penal. Admitir hipótese diversa, seria impedir que o réu se defendesse adequadamente, pois não poderia contrariar aspectos morais, utilizados para a interpretação dos fatos, ainda como no presente caso, em que restou comprovado que fatos foram ‘pincelados, ‘fatiados’ e retirados do contexto original e integral da apresentação do acusado. O crime de racismo é gravíssimo”, mencionou a magistrada na sentença.

Ana apontou ainda que “se houve ou não racismo nestes autos, não restou suficientemente comprovado, sendo as provas colhidas nestes autos insuficientes para a condenação. Assim sendo, embora esta magistrada não esteja alheia ao sofrimento daqueles que são vítimas de racismo, os elementos juntados aos autos demonstram que a conduta do réu no evento, pelo simples fato de utilizar a fantasia de forma crítica, sem a comprovação de que a intenção era de praticar o racismo, foi atípica, porquanto desprovida de dolo. Por todos estes motivos, comprovada a atipicidade da conduta do réu, a absolvição do réu é a medida de rigor”, concluiu.

A ação foi julgada improcedente e, como o próprio MP sugeriu pela absolvição, deverá ser extinta.

Foto: Daniela Smania / TJSP

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