Entenda por que bispo de Limeira é investigado por denunciação caluniosa

Bispo diocesano de Limeira, José Roberto Fortes Palau tentou na Justiça o arquivamento de um inquérito que o investiga pelo delito de denunciação caluniosa. Essa apuração é resultado de uma representação feita pelos advogados Maristela Basso e Guilherme Dudus, fundadores do Projeto Cicatrizes da Fé, que, conforme descrição no site do projeto, promove o “direito das vítimas de qualquer tipo de abuso cometidos por lideranças religiosas”. Os mesmos advogados atuaram para um homem que foi investigado por ameaça, falsa identidade, extorsão e perturbação de cerimônia religiosa, além de pichação, apuração que teve início a partir representação criminal feita pelo bispo, como representante da Cúria Diocesana de Limeira.

O contexto do inquérito que envolve o bispo faz parte da outra apuração dos delitos mencionados acima e que tem o líder religioso como denunciante. No ano passado, após tomar conhecimento que um homem identificado como E.A.V. teria pichado os muros de uma das unidades, extorquido e ameaçado a integridade física de padres e um funcionário, o bispo requereu, junto à Polícia Civil, a instauração de inquérito.

Ocorreu que o Ministério Público (MP) promoveu o arquivamento do inquérito para dois crimes: extorsão e falsa identidade. Ao solicitar o arquivamento, a promotoria mencionou:

“Analisando os autos, em relação ao delito de extorsão, verifico que não há elementos suficientes para a configuração, tendo em vista que nos e-mails em que o investigado solicita ajuda financeira da igreja não se verifica a presença de nenhuma ameaça contra os clérigos ou fiéis, mas apenas a exposição por parte do investigado de sua necessidade de apoio emocional e de suas dificuldades financeiras. Nota-se ainda que o averiguado solicita nos e-mails supracitados uma audiência com o bispo e pede, com veemência, ao padre, que interceda nesse sentido, contudo não há ameaças em tais documentos”

O MP citou também que as testemunhas que relataram as ameaças nada mencionaram sobre possível exigência de indevida vantagem econômica. A Promotoria também não identificou o crime de extorsão numa transcrição telefônica entre um funcionário do setor financeiro e E.. “Desta forma, tendo em vista que não se verificou que as ameaças proferidas pelo investigado tivessem diretamente relacionadas à obtenção de indevida vantagem econômica, em relação ao delito de extorsão, promovo o arquivamento dos presentes autos”.

Sobre a falsa identidade, o MP também entendeu que o crime não ficou demonstrado, ou seja, não havia provas sobre a identidade do usuário de um perfil na internet como o nome, a filiação, o estado civil e a profissão, “não havendo, portanto, que se falar na configuração do delito em questão”, concluiu o representante da Promotoria.

AMEAÇA E ULTRAJE A CULTO

Com o arquivamento dos crimes de extorsão e falsa identidade, o MP recomendou que a apuração dos outros dois que restaram (ameaça e ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo) fossem encaminhados ao Juizado Especial Criminal (Jecrim).

O crime de ameaça teria sido praticado por E. nos dias 22 e 24 de abril do ano passado e contra um padre. Já o de ultraje a culto, no dia 24 de abril durante a transmissão de uma missa pela internet, por meio de mensagens no chat da transmissão ao vivo. No Jecrim, também houve a promoção de arquivamento do inquérito confirmada pela Procuradoria Geral de Justiça (PGJ).

Ao justificar o arquivamento, sobre as ameaças o MP alegou “inexistência de elementos de informação que configurem o mal injusto e grave exigido para a tipicidade do referido delito”. Descreveu que as palavras proferidas pelo investigado não eram capazes de causar temor e eram demonstração de indignação. “Não se verifica uma ameaça propriamente dita pelo investigado, mas sim argumentos acalorados visando ser ouvido e atendido. É fato que ofensas foram proferidas e que E. incomodou a vítima e funcionários, mas não se verifica de sua conduta o dolo necessário à caracterização da referida infração penal”, completou.

Quanto ao delito de perturbação ao culto, a Promotoria entendeu que “não houve perturbação ou impedimento do culto religioso, uma vez que apesar das mensagens enviadas pelo investigado no ‘chat’ da transmissão da missa, tais mensagens não interromperam, nem suspenderam, os trabalhos religiosos. […] Não há dúvida de que a conduta da vítima, ao ingressar em missa on-line, com transmissão ao vivo, e proferir ofensas ao padre que a celebrava, se mostra impertinente e reprovável. Contudo, não há provas nos autos de que suas mensagens tenham interferido no ato religioso a ponto de a cerimônia/culto deixar de ser celebrado ou ser interrompido e retomado”, concluiu.

REPRESENTAÇÃO CONTRA O BISPO

Com todos os crimes arquivados, foi então que o investigado, por meio dos advogados do Projeto Cicatrizes da Fé, representou pela abertura de inquérito contra o bispo por denunciação caluniosa, investigação que é contestada.

A defesa pediu o arquivamento do inquérito perante a 2ª Vara Criminal de Limeira, que o recusou, porque o MP pediu o retorno dos autos à Polícia Civil para o prosseguimento das investigações ou apresentação de relatório final.

Diante do pedido de arquivamento negado, a defesa de Palau recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e afirmou que o mero arquivamento do outro inquérito policial não permite concluir pela configuração do crime de denunciação caluniosa, além da ausência de dolo.

A relatoria do caso ficou para o desembargador Paulo Antonio Rossi, da 12ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP e, antes de decidir, ele analisou parecer da PGJ, que opinou pelo não acolhimento do pedido e apontou que, sequer, a demanda deveria ter sido recebida pelo Tribunal, por entender que a tese por ausência de dolo depende da produção de provas e análise mais aprofundada “o que é inviável nesta sede de cognição sumária. A tese arguida na impetração é questão relacionada ao mérito, devendo ser sustentada e apreciada em sede própria, à luz do contraditório e do devido processo legal, jamais aqui, com supressão de instância de julgamento”, esclareceu em seu parecer.

Para o relator, o apontamento feito pelo MP fez sentido. “À luz de tais ponderações, é evidente que emergem indícios de autoria e materialidade para embasar a investigação, de modo que se mostra temerário o veto ao exercício da polícia judiciária na colheita de elementos informativos, os quais, em última análise, servirão de subsídios para a atuação do Ministério Público, a quem se dirigem os referidos elementos, para a formação da opinio delicti. Ainda que se diga que a conduta do paciente não seria revestida de dolo em imputar falsamente a prática de crime a E., tratando-se, portanto, de fato atípico, não se pode olvidar que a investigação ainda não se findou, encontrando-se em fase avançada, com a possibilidade de apresentação de relatório final pela autoridade policial, de modo que caberá ao Ministério Público, que é o dominus litis, com atribuição privativa para eventualmente ajuizar a ação penal, caso entenda que há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ao oferecimento da denúncia, de modo que se revela prematuro o trancamento do procedimento investigatório”, ciou em seu voto, que foi acolhido pelos demais desembargadores em sessão que ocorreu em 14 deste mês.

STJ

A defesa também foi ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio de habeas corpus, com pedido de liminar, contra o acórdão do tribunal paulista. Em Brasília, a defesa sustentou ausência de dolo do bispo e a falta de justa causa para o prosseguimento do inquérito policial, por entender que a conduta investigada é atípica.

Ainda ao requerer a suspensão da investigação, apontou que “não se faz ausente no caso em tela apenas o elemento subjetivo caracterizador do delito constante do artigo 339 do Código Penal, como também não se verifica no contexto qualquer violação à Administração da Justiça, sob a qual recai a objetividade jurídica do referido delito”.

Quem analisou o pedido foi o ministro Teodoro Silva Santos e, em decisão no dia 19 deste mês, não acolheu a tese defensiva, ou seja, manteve o inquérito em andamento. Para Teodoro, inicialmente a investigação não ameaça a liberdade de locomoção do bispo. “Nem foi narrada na inicial ameaça de decretação de prisão processual”, apontou.

Ao negar a liminar, o ministro também ponderou que para a eventual constatação de constrangimento ilegal seria necessária a tramitação completa do caso, junto com parecer da Procuradoria-Geral da República. O inquérito segue em andamento na Polícia Civil de Limeira.

Foto: Diário de Justiça

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