Sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica e seus requisitos

Por Cynthia Prado Pousa

O ordenamento jurídico brasileiro conceitua pessoa jurídica como entidade constituída por indivíduos e bens, criada para determinado fim, sendo possuidora de direitos e deveres, bem como autônoma em relação a seus membros. Dessa maneira, em regra, ela própria responde por seus atos frente ao Estado, com tratamento independente das pessoas físicas que integram o seu quadro societário.

Todavia, tal estrutura é frequentemente empregada como meio para blindar eventuais ilicitudes perpetradas pelos sócios em prejuízo de outrem. E, visando ao combate dessas práticas abusivas, houve a criação do instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”, o qual se encontra previsto em diversos diplomas legais, dentre eles o Código Civil de 2002 e a recente Lei nº 13.874/2019, que serão brevemente explicitados nesta oportunidade.

De forma sucinta, a desconsideração da personalidade jurídica tem aplicação na hipótese em que a pessoa jurídica é usada para fugir dos seus objetivos sociais, lesando terceiros, quando não deve mais ser considerada, de modo que o julgador deve decidir como se a ação tivesse sido efetuada pela pessoa natural.

No âmbito do Direito Civil, precisamente, a desconsideração da personalidade jurídica ocorre na situação disposta no artigo 50 do Dispositivo Civilista, por meio do qual se percebe a adoção da Teoria Maior Objetiva, segundo a qual entende por necessária a verificação no caso concreto de abuso da personalidade jurídica, o que pode ser caracterizado tanto por desvio de finalidade quanto por confusão patrimonial.

Não obstante, considerando que os conceitos do artigo acima são demasiadamente genéricos, o artigo 7º da Lei nº 13.874/2019 promove alteração para acrescentar parágrafos e incisos na tentativa de deixá-los mais claros. Nessa senda, o “desvio de finalidade” resta definido como “a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”, incluído o requisito doloso para a sua configuração. Por sua vez, a “confusão patrimonial”, definida como “a ausência de separação entre os patrimônios”, ostenta rol exemplificativo para sua melhor compreensão.

Com isso, o legislador cria maior segurança jurídica, apontando claramente o que deve estar presente em certa situação fática para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, mas, por outro lado, dificulta a incidência do instituto na prática, uma vez que há necessidade de provas mais especificas que se amoldem aos conceitos destacados.

Sobre o assunto, vale dizer que os Tribunais Pátrios têm se posicionado no sentido de que o encerramento das atividades empresariais, a dissolução irregular da sociedade e a inexistência de bens capazes de quitar a dívida não são, por si só, causas para a desconsideração da personalidade jurídica.

Cynthia Prado Pousa é advogada do escritório Izique Chebab Advogados Associados. Graduada em Direito pela FACAMP (Faculdades de Campinas) em 2018 e pós-graduada em Compliance pelo IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) em parceria com a Universidade de Coimbra em 2021. Atua na área cível com Recuperação de Crédito. 

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.