A morte pede carona

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Certa vez, num debate sobre violência, fomos abordados de como agiríamos se um de nossos filhos tivesse sido estuprado ou sofrido outra forma de violência. Qual seria nossa posição? Defenderíamos a punição com cadeia, como determinam as leis e a Constituição, ou teríamos a sensação e o desejo de fazer justiça com as próprias mãos?

Respondemos que, como pai, e nos conhecendo, a primeira reação seria sim a de ódio e raiva pelo criminoso que mal fez a um de nossos filhos. Somos seres humanos, com sentimentos dos mais diversos, entre eles a emoção que vai das lágrimas por algo bom, para as mesmas lágrimas em relação a uma tristeza.

A raiva é um sentimento puramente humano, não há como escapar de tê-la, mesmo que seja momentânea. Na maioria das vezes, é o que acontece com este escriba. Esquentadinho, as palavras saem de forma ferina, em situações de tragédias e malefícios, o famoso da boca pra fora. Logo, a serenidade e o bom-senso retornam.

Não tiro das pessoas o direito de se indignar com os crimes cometidos, por exemplo, pelo caso da agenda atual: Lázaro Barbosa.

Não há dúvidas que era um criminoso, que suas vítimas, incluindo crianças, foram mortas de forma cruel e inaceitável. Não há dúvidas de que, situações como essa, revoltam e nos faz às vezes pensar no olho por olho, dente por dente.

A cultura do pagar na mesma moeda é algo típico do brasileiro. Pensamento que remonta ao nosso passado de país colônia, escravizado e que a lei era (e ainda é) usada para proteger endinheirados e os que ficam às voltas com as hostes do poder.

Resolver tudo no fio do bigode, expressão bem machista, sempre esteve incrustrada na sociedade. Mas a conjuntura de outros tempos e o respirar da democracia deixavam no armário trancado a sete chaves este “sentimento” de resolver na força bruta.

A morte de Lázaro pelas forças de segurança que, segundo os meios de comunicação, envolveram cerca de 300 pessoas na “caçada” ao criminoso, munidas de armas de última geração, drones, helicópteros, entre outros, suscitou uma reação de comemoração e prazer em parte da população com o desfecho do caso.

Com todo este aparato e com cobertura quase cinematográfica das TVs abertas, foram necessários 20 dias para capturar Lázaro e, mesmo assim, não o trouxeram vivo, como a Constituição e o código penal determinam.

Não há outra explicação para o fato, que não seja a incompetência de nossas autoridades, que ao festejar a morte do foragido, reforça a ideia de que bandido bom é bandido morto.

Tese que não se aplica, por exemplo, ao doutor Jairinho, criminoso, com relações com a milícia carioca e com o governo Bolsonaro, acusado de violentar e matar seu enteado, além de agredir mulheres e outras crianças.

Mas como disse uma amiga, o Jairinho é doutor, branco e rico. Lázaro Barbosa, negro e pobre. Este sim tem que morrer e fizeram certo os policiais, dizem as pessoas e o seu senso comum.

Um senso comum, construído com uma cultura que não enxerga as políticas de segurança. Não percebem que o Estado tem responsabilidade pela criminalidade.

Primeiro, porque não investe na prevenção, tirando crianças das ruas, oferecendo educação e saúde de qualidade. Não promovem o pleno emprego e incentivam a precariedade do trabalho e o acesso à cidadania.

Segundo, não coíbe a promoção acelerada da morte que pede carona. Pelo contrário.

Com Jair Bolsonaro, se tira a cada dia o pão da mesa do trabalhador e lhe oferece uma arma de fogo, para que ele resolva suas pendências e mantenha sua segurança com as próprias mãos.

Terceiro, a concepção de nossas polícias é da ditadura militar, acrescida de um pensamento de que a pena de morte resolve tudo.

Não é a primeira vez que um Lazaro é morto pela polícia, em um suposto tiroteio, onde o criminoso teria reagido à prisão. Versão dada, por exemplo, na recente chacina do Jacarezinho, onde quase 30 pessoas foram mortas, com a mesma alegação e que eram traficantes.

A investigação tem provado que a maioria dos mortos não tinha passagem criminal. E pasmem, boa parte eram jovens e negros. A cultura do matar porque é bandido, no Brasil, se confunde com posições de classe e status social.

O país campeão da desigualdade social está se tornando a cada dia o da política da necrofilia, seja por Covid-19, por fome ou por bala.

É hora de dar um basta nisso.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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