A GCM pode realizar abordagens e buscas pessoais? Entenda

por Felipe Rissotti Balthazar

Embora esse tema parece ser assunto recente para a sociedade no geral, quem trabalha na área, especialmente os profissionais que atuam na esfera criminal, sabem quanto esse tema é debatido e levado para apreciação do judiciário em todas as suas instâncias. Infelizmente, ainda são bastante comuns as decisões que afrontam a carta magna, tornando, por vezes, condutas inconstitucionais em constitucionais, criando uma imensa insegurança jurídica ao tema. Para esclarecer, trouxe nesse texto os fundamentos legais sobre a inconstitucionalidade da atuação da guarda municipal como polícia ostensiva e/ou judiciária. Boa leitura!

A Constituição Federal de 1988, prevê taxativamente nos incisos do art. 144, o rol de órgãos encarregados de promover a segurança pública, que é um dever do Estado, exercida para a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpo de bombeiros militares e polícias penais. Ou seja, o legislador constituinte optou por não incluir no texto constitucional nenhuma forma de polícia municipal.

Porém, a Constituição Federal concedeu aos Municípios a possibilidade, por meio do exercício de suas competências legislativas, de criarem guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações (art. 144, §8º, CF). Sendo assim, não concedeu-lhes a possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou judiciária. Importante mencionar sobre esse assunto, que o Supremo Tribunal Federal já declarou a possibilidade de o Município atribuir às guardas municipais o exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para a imposição de sanções administrativas legalmente previstas.

Com essa opção do legislador constituinte e por também por sua consequência, todos aqueles que fazem parte da segurança pública dos incisos do art. 144, da CF, estão sujeitos a controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, diferentemente da guarda municipal, que é subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo. Esse ponto é crucial para entender o que motivou o legislador restringir a atuação das guardas municipais. Já imaginou uma força pública imune a tais formas de fiscalização? Ao meu ver, foi de extrema cautela e consciência por parte daqueles que integravam o poder constituinte originário, quando optaram por limitar a atuação das guardas municipais à vigilância do patrimônio municipal. E pior, cada vez mais são criados verdadeiros “exércitos” municipais, onde equipam seus agentes com alto poder bélico e letal, de uso exclusivo das Forças Armadas, o que é um absurdo por si só.

Após superarmos essa questão, ficou claro que as guardas municipais possuem somente atribuição constitucional para proteger os bens, serviços e instalações dos municípios, sendo vedada a atuação policial ostensiva e judiciária. Sendo assim, como não possuem tal atribuição, como esses agentes municipais devem agir? Podem realizar buscas pessoais? E em caso de flagrante? Bom, é o que vamos analisar agora.

Quando analisamos os art. 240, §2º e art. 244, ambos do Código de Processo Penal, tratando sobre a busca pessoal (que inclusive escrevi recentemente), a lei é clara em dizer que a busca pessoal ou veicular só será possível quando o agente público concluir, com base em elementos objetivos e concretos, a existência de fundada suspeita de que o indivíduo esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, e não meros “achismos” e/ou arbitrariedades por parte dos agentes públicos. E agentes públicos aqui, são somente aqueles mencionados no rol dos incisos do art. 144 da CF, com atribuição para tanto, não sendo permitido abordagem e, consequentemente, a busca pessoal, por qualquer um do povo, salvo nos casos de flagrante delito, conforme preceitua o art. 301 do CPP. Nos casos de flagrante delito, o legislador, levando em consideração o princípio da autodefesa da sociedade e a impossibilidade do Estado de ser onipresente, incluiu somente os flagrantes que sejam possíveis de identificar a olho nu.

Para melhor exemplificar, pense na situação em que você está andando na rua e flagra uma senhora tendo seu celular roubado por um delinquente, que ao subtrair o bem, sai correndo, momento que você corre e consegue alcançá-lo, detendo-o. Esse seria o caso do flagrante permitido pela legislação. Diferentemente, é o caso em que você visualiza que alguém pode estar sendo furtado sem perceber, e você, não conseguindo ter certeza sobre o ato criminoso, necessitaria realizar atividades invasivas de polícia ostensiva e investigativa, como a busca pessoal ou domiciliar, atribuições essas que não são possíveis de serem praticadas por qualquer um do povo, nem mesmo pelos guardas municipais.

Importante salientar que embora os guardas municipais não sejam equiparáveis aos policiais, também não são cidadãos comuns, explico. Embora não estejam elencados no rol de incisos do art. 144, caput, da Constituição, estão inseridos no §8º do dispositivo, que trata a Segurança Pública em sentido amplo. As guardas possuem essencial e importante poder-dever de proteger o patrimônio municipal, nele inseridos os seus bens, serviços e instalações. Bom, então quais são as suas atribuições na prática? Como devem exercer? É recomendável a atuação através da vigilância de creches, escolas, praças, postos de saúde municipais, dentre outros locais públicos e de interesse municipal, garantindo que não hajam eventuais danos e subtrações por vândalos e criminosos, possibilitando a continuidade da prestação do serviço público municipal que fazem parte de tais instalações. Além disso, é possível realizarem patrulhamento preventivo pela cidade, todavia, desde que estejam vinculados à finalidade exclusiva de proteger os bens, serviços e instalações municipais.

Em decisão recente sobre o tema (REsp n. 1977119-SP), o Min. Rogério Schietti Cruz do STJ, ao tratar sobre essas circunstâncias disse que “9. Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais. Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações absolutamente excepcionais – e por isso interpretadas restritivamente – nas quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata relação de pertinência com a finalidade da corporação, isto é, quando se tratar de instrumento imprescindível para a tutela dos bens, serviços e instalações municipais. Vale dizer, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver, além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária”.

Nesse sentido, sobre a atuação da guarda em outras infrações, podemos concluir que caso agentes municipais se depararem com um indivíduo que provavelmente esteja guardando drogas em seu bolso para fins comerciais, este não estará autorizado, somente por existir fundada suspeita do crime, de efetuar a busca pessoal do acusado, dentre outras condutas ostensivas. Assim, somente caberá ao guarda municipal acionar órgãos policiais para que realizassem a abordagem e revista do suspeito, e se for o caso, a sua prisão em flagrante. Porém, em situação semelhante, caso os agentes municipais ignorem suas limitações legais e realizem a abordagem do suspeito e este esteja portando drogas, os agentes estarão violam o art. 244 do CPP e, por consequência, todas as provas colhidas serão consideradas ilícitas, por violarem as normas legais e constitucionais, nos termos do art. 157 do CPP.

Esse tema embora tenha fundamentação suficiente em relação a atuação da guarda, inclusive com decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça sobre a inconstitucionalidade da sua atuação ostensiva, ainda existe um longo caminho para superarmos esse tema na prática, tendo em vista as muitas decisões que ignoram a posição dos tribunais superiores.
Até breve.

Felipe Rissotti Balthazar (@rissotti.adv) é advogado criminalista.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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