2023: a civilidade está de volta, mas o ódio ainda ameaça

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

O discurso de Natal de Lula

E ao final daquele triste 8 de janeiro, a democracia saiu vitoriosa e fortalecida. Fomos capazes de restaurar as vidraças em tempo recorde, mas falta restaurar a paz e a união entre amigos e familiares”.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso em rede nacional de TV e Rádio, na noite de 24 de dezembro, véspera de Natal, pautou seu discurso, em um breve balanço do ano, enaltecendo as iniciativas na economia, os programas sociais e outros. Mas o foco mesmo foi na democracia, garantida após os eventos golpistas de 8 de janeiro último.

Qualquer pessoa em sã consciência sabe que o que aconteceu naquele domingo. Longe de ter sido uma manifestação pacífica, algo protegido pelo Estado de Direito e muito menos um vandalismo moleque e irresponsável.

O 8 de janeiro foi uma conspiração, tramada desde o fim da apuração das eleições presidenciais de 2022. Começou fechando estradas, com ameaças de greves de caminhoneiros, depois passou pela ocupação de áreas do Exército Brasileiro, este suspeito de ter apoiado.

No dia da diplomação, ações foram planejadas para impedir a cerimônia, mas falharam. As vésperas do Natal, uma tragédia poderia ter acontecido, se não fosse a Polícia Federal interceptar a tentativa de explodir o aeroporto de Brasília.

Se isto não bastasse, Bolsonaro abandona a Presidência a dois dias do término do mandato e viaja em avião do governo para os Estados Unidos. Estes e outros antecedentes, sem dúvida, despertam para preparação do Golpe de Estado.

Lula, no dia da ceia de Natal, com muita propriedade, enaltece que a democracia venceu, pois todas as instituições do Estado agiram rápidas e impediram o golpe.

Porém, feliz foi o Presidente ao afirmar que, se a economia está entrando nos eixos, a fome e a miséria estão sendo combatidas e inúmeras outras medidas vieram para melhorar a vida do povo, o ódio ainda persiste na sociedade brasileira.

As redes bolsonaristas continuam fornecendo fake news em massa, falando inclusive de golpes, ameaçando a paz e a tranquilidade. As “tias do Zap”, a todo vapor, deliram sobre a terra plana, sobre não tomar vacinas e o uso de armas para combater “bandido”, de preferência pobre e negro.

Lideranças, entre elas o ex-presidente, mantêm a cruzada do “nós contra eles”, mesmo sendo acusado de inúmeros crimes, entre eles o caso das joias, uso de cartão corporativo na campanha e articulação do 8 de janeiro.

Este clima de ódio dissemina pela sociedade, onde o feminicidio aumentou, o assassinato de LGBTs continua, o racismo anda escancarado e a desintegração da imagem das pessoas com mentiras e fofocas, tem levado-as ao suicídio.

O grande desafio do País para 2024 é sair do estágio da civilidade para encontrar a Paz.

Este é meu primeiro desejo para o ano novo.

Sobre armas

Nos últimos anos, o discurso propagandeado pelo governo anterior era “Povo Armado, não é escravizado”. A verdade é que não ficou só nisso: na prática, Bolsonaro liberou geral o porte de armas para o cidadão comum.

Alem disto, armou clubes de tiro e de caça com armamentos pesados e em maior quantidade. Estes clubes viraram uma espécie de milícia pró-governo. Muitos deles estavam no dia 8 de Janeiro e liderando os acampamentos golpistas pelo Brasil inteiro.

Sair nas ruas começou a ficar perigoso, vários casos de uso de armas em discussões políticas, familiares e de costumes, foram relatadas naqueles anos. Mais quatro anos de mandato para o bolsonarismo e teríamos campos de guerra pelo Brasil.

Este ano, no dia 21 de julho, Lula publicou um decreto fazendo inúmeras mudanças nos decretos de armas de Bolsonaro. Uma delas reduz o número de armas para caçadores, os famosos CACs, e os clubes de tiro e o controle do porte e do uso das armas não serão mais do Exército, e sim da Polícia Federal.

O uso pessoal de armas só será permitido com comprovação de extrema necessidade e o número de aquisição por pessoa foi reduzida. Outra medida importante diz respeito ao uso de armas de calibre utilizadas pelas forças de segurança. O governo passado liberou que o cidadão comum a pudesse ter. Agora está proibido e quem as tiver poderá mantê-las mediante vários critérios. O Governo Lula pode recomprar estes armamentos.

Mas a notícia mais importante saiu nesta quinta feira, dia 28 de dezembro. De acordo com a PF, este ano tivemos uma drástica redução nos pedidos de porte de armas. A redução chegou a 74%, referente ao ano passado.

Armas matam. Escola forma cidadãos.

Meu segundo desejo para 2024.

Lula é refém do Centrão?

A derrubada de vários vetos presidenciais neste dezembro, de projetos importantes como o Marco Temporal em terras indígenas e a desoneração da folha de pagamento, deixou duas dúvidas.

Uma perfeitamente solucionada.

A quem serve o bloco político Centrão? Aos interesses corporativos de quem apoia campanhas e mandatos, o agro, a Faria Lima e outros.

A segunda ainda é dúvida. Explicarei.

Lula fez tudo para ter estes parlamentares em sua base de apoio. Distribui ministérios, cargos, emendas parlamentares e outras benesses.

Embora faço coro com a militância que discorda desta relação, sei que, em um sistema presidencialista de coalizão, negociar é preciso. Mas também entendo que depende da correlação de forças. Mas disto falo mais adiante.

Porém, mesmo sendo pragmático e ceder ao fisiologismo do Centrão, o Presidente faz enfrentamentos. As fez na Reforma Tributária e agora nos dois projetos em que vetou e perdeu. O governo tenta manter certa coerência, mesmo não entrando em pautas polêmicas e de interesse das esquerdas como o aborto, a descriminalização da maconha e outras.

O governo acreditava que, no caso do Marco Temporal, o Centrão não enfrentaria o Supremo Tribunal Federal, que tinha reprovado a minuta. No caso da desoneração, esperava que os movimentos sociais, e em especial o sindical, se mobilizasse para barrar a iniciativa do Congresso.

Não só não aconteceu como quase todos os setores do movimento apoiaram esta iniciativa que, de cara, tira dinheiro dos aposentados e pensionistas. O acreditar que empregos serão mantidos é apostar que Papai Noel existe.

Lula ainda não é refém do Centrão, mas pode vir a ser caso não se fortaleça, não apenas nas pesquisas, mas governando com base popular e os movimentos sociais.

Espero que os movimentos acordem, abandonem os interesses corporativos e venham as ruas defender as pautas populares do governo.

É o meu terceiro desejo para 2024.

Senhores da guerra, Argentina chora

Duas Guerras estúpidas, com interesses de apanhar na marra territórios e poder. É a velha guerra por terra, dinheiro e mando em uma parcela da população

A Guerra da Ucrânia apresenta um aspecto de tentativa de mudança na geopolítica. Formação de blocos de poder por um lado, o da Rússia, e a manutenção da hegemonia pelo bloco capitaneado pelos Estados Unidos.

Já a chacina de Israel sobre a Palestina também tem a ver com a hegemonia geopolítica na região, mas é coberta de preconceitos religiosos, que já mataram muito e ainda matam. O interessante é que, nesta semana, Israel atacou Belém, cidade palestina onde Jesus Cristo nasceu

Enquanto isso, por aqui nosso vizinho a Argentina chora pelas chibatas que vem levando do novo governo. Javier Milei não esconde suas intenções de criar uma anarquia na economia e na política.

Transformar o País em um quintal do grande capital e jogar o povo pobre na barbárie. Uma ditadura escancarada é preparada pelo homem que prefere cachorros que seres humanos. Mas lá os hermanos não pensam duas vezes, vão às ruas e prometem muita luta.

Meu quarto desejo para 2024 é que a Argentina volte à democracia.

Drummond e o Ano Novo

Nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema abaixo em 1979, no livro “Discurso de Primavera e algumas sombras”.

Com ele desejo a Renata e ao Denis deste Diário um feliz e sensacional 2024 e estamos juntos.

A todas e a todos, um ano novo sem guerras, sem fome e com muita paz.

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Até o ano que vem.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.