O olhar de um filósofo para o final de ano

por Roberson Augusto Marcomini

Dezembro chega trazendo expectativas e finda-se deixando incontáveis questionamentos e pouquíssimas respostas. Naturalmente é a época em que se reflete sobre as conquistas, aprendizados, medos, anseios, desejos, saudades…época sensível. Para alguns, tempo de tristeza para outros momento de celebrar e colocar votos e intenção ao novo que virá. A pergunta que fica: O que você fez? Qual a métrica para avaliar se foi um ano bem-sucedido ou não?

Será que de fato estamos prontos para responder com maturidade como foi nosso ano? Será que há consciência de que o melhor que se pode fazer com o que se tem é o suficiente ou recorremos aos famosos e superficiais modelos de sucesso?

O primeiro evento de dezembro é o Natal, a ceia o símbolo de mesa abundante. Não a mesa repleta de comida, mas a abundância intangível que é a partilha generosa nos entrega. Partilhar a vida com amor traz a experiencia do sentir a vida, do dar sentido.

Em grego felicidade se diz: “Eudaimonia” palavra composta do prefixo “eu” que traduzimos como “bom”, e “daimon”, como “demônio” ou “anjo”, ou seja, para os gregos ser feliz era dispor de um “bom demônio”, o que vale à sorte de cada um.

A composição de Fernando Anitelli interpretada em canção pelo Teatro Mágico diz: “E a sorte nos fechar a porta, releve o que não importar, vai e dê meia-volta e volta”. Experimente perceber o coração pulsar, permitir-se ser feliz e se reanimar buscando dentro de si o lampejo de uma vida com oportunidades de sentir dando sentido em outras vidas.

A felicidade está conectada com o presente, sem a dependência ansiosa do futuro, o medo constante que coordena nossas ações e não nos permite celebrar e nos divertirmos diante das coisas simples.

É a sensação de satisfação, reconhecendo nosso “suficiente” como quem abriga as maiores bençãos dentro de si. Tudo isso está ao nosso alcance, mas requer silenciar a inquietação dos questionamentos para ouvirmos o sussurro da alma. Há um princípio filosófico que traz: “torna-te o que tu és”, ou seja, aproveite o caminho, viva-o, contemple o percurso e suas experiências, não se preocupe tanto com a chegada, ela é inevitável.

Benjamin Disraeli, em 1870 dizia que a vida é muito curta para ser pequena e, de acordo com o IBGE a expectativa de vida é de 75,5 em 2022, e com isso reforça a importância não apenas de viver, mas também de nos sentirmos vivos. Não apagar incêndios e distinguir o preço do valor das coisas, olhar com atenção para o holo (todo) corpo, mente, emoção e espírito. A vida não é cada um por si e Deus por todos, Gandhi disse: “olho por olho e o mundo acabará cego”. O começo de um ano é também o início de um novo tempo ou uma nova caminhada.

Afeto e conhecimento se compartilham, guardar é perder; não existir é se tornar esquecido, mesmo estando vivo. Celebre suas conquistas, as formas que foram superadas e em um brinde expresse: “valeu a pena este ano”.

Na sociedade de consumo define-se uma pessoa pelo que se tem e essa definição ameaça a identidade pois a todo tempo, existe um risco de perder os bens adquiridos. Quem somos sem nossos “títulos”?

Erich Fromm defendeu que nossa existência não pode no ter, mas no ser.

Ser é significar a humanidade de maneira plena, sentir, pensar, amar, observar, ficar triste… provar das emoções e sentimentos. Ser é viver a experiência de maneira crítica, reflexiva e independente, sem reproduzir padrões inalcançáveis. Ser é ter, sem se perder! Somos livres para viver nossas escolhas e isso requer coerência e sabedoria.

Não sejamos pessimistas como Sêneca, nem demasiadamente otimista, o pessimismo se acomoda e o otimismo imaturo nos tira da sensatez. A felicidade é um estado em construção constante, requer uma habilidade incansável de desejo, trabalho e atenção. Um constante cair e levantar-se, olhar para os sonhos e permitir que eles nos encontrem. Felicidade é viver e o essencial não requer tantos pesos. A grandiosidade habita em pequenos detalhes. Somos detalhes e instantes! Vivamos!

Roberson Augusto Marcomini é graduado em Teologia, tem licenciatura plena em Filosofia, doutorando em Sociologia, mestre em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, membro do Grupo de Pesquisa do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política (NEREP/UFSCar), membro do Grupo de Pesquisa Ética e Justiça (Unicamp/Limeira)

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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